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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Inconstitucionalidade da sucessão da companheira

Com o advento da nova ordem constitucional instituída pela Constituição Federal de 1988, passou-se a proteger e elevar ao patamar de família a união estável. Foi um passo largo, para permitir a proteção da relação que outrora era vista como espúria, onde a proteção patrimonial era garantida pelo instituto da sociedade de fato.
O instituto da união estável foi elevado ao patamar de entidade familiar, quando passou a ser expressamente regulamentado pelo art. 226 § 3º[1] da Constituição Federal, o qual lhe conferiu ampla proteção Estatal.
Portanto, ficou a cargo do legislador infraconstitucional a tarefa de estabelecer as regras para reconhecimento e sua conversão em casamento, para cumprimento do assegurado pelo comando constitucional, cuja natureza é de eficácia programática.
Antes da entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro, onde encontra-se assentada a matéria, vigiam as leis 8.971/94 e 9.278/96, que tratavam dos direito patrimoniais e sucessórios dos companheiros.
A lei 8.971/94 regulamentou a questão dos alimentos devido à companheira ou companheiro, como também a questão sucessória dos conviventes. Esta foi a primeira proteção ao companheiro supérstite, que garantiu seu direito de participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem da vocação hereditária.
Percebe-se, portanto, que em 1994 o cônjuge supérstite possuía esta o status de herdeiro necessário.
Pela Lei 9.278/96  foi estabelecida a igualdade de direitos e deveres entre os conviventes, concedendo ao companheiro supérstite o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, em razão do vínculo afetivo construído naquele lar pelo casal, que outrora o tinha habitado.
No entanto, as leis supracitadas não previam a real igualdade que deveria haver em comparação ao cônjuge sobrevivente, pois a primeira regulamentou os alimentos devidos ao cônjuge e lhe concedeu o direito de participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como herdeiro, ocupando o terceiro lugar na ordem vocacional hereditária. Quanto a segunda lei supracitada, por ela foi estabelecida a igualdade de direitos e deveres entre os companheiros e, também o direito real de habitação do imóvel destinado a moradia. Destaca-se, que estes são os direitos mínimos assegurados ao cônjuge sobrevivo
Mas, em que pese, a mínima garantia dos direitos, a lei 8.971/94 aplicava o que deveria ser hoje a norma aplicável na sucessão da companheira, visto que em seu art. 2º, III elevava-o, na sucessão do de cujus, a patamar privilegiado excluindo sua concorrência com colaterais.
Percebe-se, então, um retrocesso social, acerca de tal tema, quando realizada análise acerca do art. 1790, que trata da sucessão dos companheiros, com os artigos 1829, 1838 e 1945 do Código Civil, o que constitui malferimento do princípio da proibição do retrocesso social, tema explorado por Ingo Wolfgang Sarlet, que em suma visa garantir as pessoas em tal condição a efetividade da segurança jurídica.
Em que pese as disparidades apresentadas pela legislação  infraconstitucional há uma crescente tendência de que a leitura de seus dispositivos seja constitucional. Aliás, é uma tendência do direito civil, que passa por um movimento de constitucionalização.
Acerca do assunto, dedicou-se o professor Flavio Tartuce, em seu artigo “Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro[2]”, tendo realizado a proposta de constitucionalização do direito de família, como por exemplo, estabelecer o princípio da igualdade entre cônjuge e companheiro, nos termos do art. 226, § 5º da Constituição Federal.
É oportuno, também, criticar a topografia da sucessão da companheira, no Código Civil. Em uma sanha de se adequar o referido diploma ao texto constitucional, sem qualquer critério o legislador inseriu as disposições concernentes a sucessão do companheiro nas disposições gerais sobre a sucessão, fato que já indica uma discriminação, pois segregou-se companheiro de cônjuge.
Assim, com o presente trabalho é possível demonstrar a inconstitucionalidade do art. 1790, III, do Código Civil, pois como legislação infraconstitucional, não se encontra verticalmente compatível com o estatuído na Constituição Federal, em seu art. 226 §3º, que reconhece a companheira o mesmo status que o cônjuge supérstite, pois trata de forma desigual a sucessão da companheira ao lhe conferir somente um terço da herança, quando concorrer com outros parentes, herdeiros colaterais.
É um caso de flagrante desigualdade e malferimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e equidade.
Enquanto a alteração legislativa não chega, pode-se perceber, após a  análise de alguns julgados selecionados, que para extirpar a desigualdade apontada, cabe ao julgador  invocar a hermenêutica para igualar a companheira ao cônjuge sobrevivente, quando o jurisdicionado suscitar, incidentalmente, a arguição de inconstitucionalidade a seu favor.
Recentemente, em 14 de janeiro de 2010, foi sancionada a lei 12.195, que alterou o art. 990 do Código de Processo Civil, para permitir, e assim igualar  a companheira (o) sobrevivente  o mesmo tratamento legal conferido ao cônjuge supérstite, quanto a nomeação do inventariante.
Ou seja, inovações legislativas ocorrem a passos lentos, mas caminham para trazer a efetiva igualdade, no que se refere ao direito material e processual, ao companheiro e cônjuge.
As alterações são salutares para que haja a adequação e reparos nas normas existentes. Mas, enquanto não há uma declaração de inconstitucionalidade, em' abstrato, contra o artigo 1790, do Código Civil, o jurisdicionado poderá via controle difuso suscitar a inconstitucionalidade, conforme já exposto, para que lhe seja resguardado o direito de receber em sucessão os mesmos direitos do cônjuge.
Por outro giro, é oportuno destacar a falta de interesse legislativo sobre o tema, haja vista que encontram-se arquivadas, de acordo com o regimento interno da Cãmara Legislativa, duas proposições legislativas que versavam sobre o tema, o Projeto de Lei nº 6.960/2002 e o nº 4944/2005. Ambos objetivavam a alteração do Código Civil, para fazer constar a proteção infraconstitucional do companheiro que passaria a não concorrer com herdeiros colaterais na sucessão do autor da herança, o extinto companheiro, além de elevá-lo a condição de herdeiro necessário, nos termos da diireito proposição de 2005.
Como o tema não é pacífico, veja-se a recente reclamação constitucional proposta, perante o Supremo Tribunal Federal, que tem o Ministro Gilmar como seu relator[3] e objetiva questionar a decisão da justiça do Estado de São Paulo que teria declarado, de forma indevida, a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil,   reitera-se parágrafos anteriores que afirmam ser incumbência do magistrado, hermeneuta, a solução para o caso concreto apresentado, por isso, também, surgem como forma de norteá-los, enunciados advindos de ciclos de estudos do direto civil, sendo destacado as reuniões do Conselho da Justiça Federal (CJF), do Superior Tribunal de Justiça, responsáveis pelas enunciados e compilações das Jornadas de Direito Civil, como também as reuniões dos Juízes das Varas de Famílias e Sucessões.
Desta forma, na sucessão o companheiro sofre flagrantes prejuízos, primeiro porque não é herdeiro necessário, segundo porque quando da concorrência com herdeiros colaterais do extinto recebe menos, quando situação sob mesma aparência, com o cônjuge a divisão é privilegiada.

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Bibliografia:

LASSALE, Ferdinand. Fonte Digital: Que é uma Constituição?. Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1933. Tradução: Walter Stönner.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2. ed. , Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
ANDRADE, Rita de Cássia. União Estável e a Sucessão do Companheiro Sobrevivente à Luz do Novo Código Civil. Acesso em: <    > , às ___
SIMÃO, José Fernando. Sucessão do companheiro: decisões surpreendentes! Parte 1 Casamento X União estável. Acesso em
JUNIOR, Clito Fornaciari. Sucessão do companheiro falecido. Acesso em
TARTUCE, Flavio. NOVOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO. Acesso em
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 70029390374 – TRIBUNAL PLENO
OBJETO: ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO RS
AGRAVO DE INSTRUMENTO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70007532799 SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA, TJ-RS
AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 633.472-4/9-00, da Comarca de SÃO PAULO

Notas

[1]    “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”
[2]    www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_princfam.doc
[3]    Disponível no site: , acesso em 18 out. 2010, ás 09:38. 
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Eloá dos Santos Prado

Bacharela em Direito. Especialista em Direito de Família e em Direito Civil, Empresarial e Processo Civil. Advogada (OAB/SP 299.865), coordenadora jurídica e sócia do Ferreira Cruz Advogados Associados, com atuação tanto em consultoria no campo preventivo das relações obrigacionais (estruturando negócios, contratos, operações dos mais diversos tipos), como no contencioso judicial e administrativo de clientes pessoas física e jurídica, em diferentes pontos do país.


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