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Rio de Janeiro, São João de Meriti, Duque de Caxias, Niterói e áreas limítrofes.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Beneficiário tem dez anos para pedir ressarcimento de cobertura negada por plano de saúde

 
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser de dez anos o prazo prescricional para propor ação contra plano de saúde para o ressarcimento de despesas realizadas em razão de descumprimento de obrigações constantes do contrato.

No caso julgado, o autor realizou despesas com cirurgia cardíaca para implantação de stent (implante para desobstruir artérias), porque a Golden Cross se negou a autorizar o procedimento. A empresa, na contestação, afirmou que os implantes estariam excluídos de cobertura contratual.

Em primeiro grau, o segurado não teve sucesso. Apelou, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve o entendimento de que a hipótese era regida pelo artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil. A regra diz que prescreve em três anos a pretensão de reparação civil.

Natureza contratual

O beneficiário do plano recorreu, então, ao STJ. Para o relator, ministro Sidnei Beneti, a relação analisada é de natureza contratual, conforme sustentou a própria Golden Cross. Porém, Beneti esclareceu que a causa de pedir da ação “não decorre de contrato de seguro, mas da prestação de serviço de saúde, que deve receber tratamento próprio”.

Essa hipótese não está prevista no artigo 206, parágrafo 1º, II, do Código Civil, que diz prescrever em um ano a pretensão do segurado contra segurador, ou a deste contra aquele.

Os ministros afastaram, igualmente, a tese adotada pelo TJRS – de que o prazo seria de três anos. O entendimento da Terceira Turma leva em conta precedente da Quarta Turma – órgão também competente para o julgamento de matéria de direito privado no STJ –, no sentido de que o prazo de prescrição de três anos previsto no Código Civil não se aplica quando “a pretensão deriva do não cumprimento de obrigações e deveres constantes do contrato” (REsp 1.121.243).

Sem previsão

O entendimento unânime dos ministros é bem explicitado no voto de Beneti: “Não havendo previsão específica quanto ao prazo prescricional, incide o prazo geral de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil, o qual começa a fluir a partir da data de sua vigência (11 de janeiro de 2003).”

O ministro também lembrou que se deve respeitar a regra de transição do artigo 2.028 do novo Código Civil. Por ela, quando o prazo for reduzido pelo CC/02, se transcorrido mais da metade do prazo antigo (CC/16) quando da entrada em vigor da nova lei, vale o prazo da lei revogada.  

Processo: REsp 1176320
Fonte: STJ - Superior Tribunal de Justiça - 05/03/2013

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Do direito à pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade


Para a percepção do benefício da pensão por morte, a legislação previdenciária prevê o cumprimento de três requisitos cumulativos, quais sejam: morte do segurado; manutenção da qualidade de segurado no momento imediatamente anterior à data do óbito; e demonstração cabal do vínculo de dependência do segurado, nos termos do art. 16, da Lei nº 8.213/91.

A pensão por morte previdenciária é o benefício pago à família em razão do óbito do trabalhador.

Para concessão do benefício em questão, não há tempo mínimo de contribuição, mas é necessário, como regra, que o óbito tenha ocorrido enquanto o trabalhador tinha a qualidade de segurado do RGPS.

 O benefício pensão por morte está regulamentado nos artigos 74 a 79 da  Lei  nº  8.213/1991 e 105  a 115 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/1999), e para sua percepção a legislação previdenciária prevê o cumprimento de três requisitos cumulativos, quais sejam: morte do segurado; manutenção da qualidade de  segurado no momento imediatamente anterior à data do óbito; e demonstração cabal do vínculo de dependência do segurado, nos termos do art. 16, da Lei nº 8.213/91.

Se a morte do trabalhador ocorrer após a perda da qualidade de segurado, mediante a cessação da atividade laborativa remunerada ou do recolhimento de contribuições previdenciárias, os dependentes terão direito a pensão desde que o trabalhador tenha cumprido, até o dia da morte, os requisitos para obtenção de qualquer aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social, incluindo a aposentadoria por invalidez, no lapso temporal de manutenção da qualidade do segurado, caso em que a incapacidade deverá ser verificada por meio de parecer da perícia médica a ser realizada pelo INSS. É de se ressaltar que a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, especial e para a aposentadoria por idade, neste último, desde que o segurado conte com a carência e idade mínima exigidas.

 Em que pese o regramento sobre a matéria, inúmeros são os casos em que o instituidor do benefício perde a qualidade de segurado na data imediatamente anterior ao próprio óbito, embora preenchesse o requisito de tempo de contribuição para aposentadoria por idade, havendo carência, faltando exclusivamente o requisito idade.

O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Turma Nacional de Uniformização é que a perda da qualidade de segurado do instituidor do benefício, quando ainda não preenchidos os requisitos necessários à implementação de qualquer aposentadoria, resulta na impossibilidade de concessão do benefício pensão por morte. Assim, a condição de segurado do instituidor do benefício é requisito necessário ao deferimento do benefício de pensão por morte aos dependentes, salvo na hipótese de o falecido ter preenchido, ainda em vida, os requisitos necessários à concessão de uma das espécies de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social. No caso específico da aposentadoria por idade: carência; e o requisito etário. 

 Embora se evidencie difícil de concretizar a concessão da pensão por morte pela via processual em tais casos, há de ser buscado, especialmente para melhor subsidiar novas ações perante as novas composições das Cortes Superiores brasileiras, ou mesmo de eventual representação à Corte Interamericana de Direito Humanos, fundamentos sólidos, capazes de alterar o panorama adverso que se impõe ao tema em testilha.

Conforme se evidenciará, fere a lógica previdenciária e diversos princípios constitucionais a recusa à concessão de pensão por morte mediante a desconsideração de expressiva quantidade de contribuições vertidas na época do óbito, exclusivamente pelo fato do instituidor do benefício não ter completado a idade para se aposentar.

Contrariamente à visão dominante sobre o tema, o Colendo Tribunal Regional da 3ª Região decidiu que “com a edição da EC nº 20/98, a ressalva efetuada na parte final do artigo 102, parágrafo 2º, da Lei nº 8.213/91, passou a abranger também aquele que à época do óbito contava com a carência mínima necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, mas perdeu a qualidade de segurado e veio a falecer antes de completar a idade para obtenção desse benefício” (AC 1184898, Rel. Juiz Nino Toldo, DJU 8/8/2007).

Nos termos do entendimento da proficiente Corte Federal, decidiu-se que anteriormente à Emenda Constitucional nº. 20/1998 estava sedimentado o entendimento de que não era devida a pensão por morte caso o óbito tivesse ocorrido antes de se atingir a idade mínima para a aposentadoria por idade e diante da perda da qualidade de segurado do de cujus, não importando quantas contribuições tivesse ele vertido aos cofres da Previdência. Contudo, a EC 20/98 evidenciou o caráter contributivo da Previdência Social.

De fato, um sistema contributivo tem sempre nítido matiz contraprestacional.

O que mais nitidamente diferencia os benefícios previdenciários de outros beneplácitos sociais é exatamente o seu caráter essencialmente contraprestacional, custeado por contribuições coercitivas.

Não há, nos termos da decisão mencionada, nenhum fundamento jurídico que justifique, por um lado, o ingresso puro e simples das contribuições e, por outro lado, a inexistência de contraprestação alguma em favor do contribuinte ou seus dependentes.

Nesse sentido, conforme defendido no acórdão do Colendo Tribunal Regional da 3ª Região, ainda que ocorra a perda da qualidade de segurado, se contribuições previdenciárias foram recolhidas há que se pensar sempre da contraprestação devida, sob pena de autêntico enriquecimento ilícito por parte do Estado.

A Lei 10.666/2003, em seu artigo 3º, expressamente dispõe que a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.

Com a EC 20/98 a ressalva do artigo 102, § 2º, da Lei 8213/91 passou a abranger também aquele que, tendo perdido a qualidade de segurado, contava com a carência mínima necessária para a aposentação e veio a falecer antes de completar idade para tanto. Do contrário, citando-se como exemplo, estar-se-ia diante da absurda possibilidade de negar-se a pensão por morte aos dependentes de quem, tendo perdido a qualidade de segurado, contribuiu por 15 anos, e faleceu com 64 anos, ao mesmo tempo em que teriam direito ao benefício de pensão por morte caso a morte ocorresse com 65 anos, mesmo que somente por 15 anos tivesse contribuído. Em outro exemplo, alcançaríamos o absurdo de aceitar a concessão da pensão por morte ao dependente do segurado que trabalhou um único dia e, portanto, verteu uma única contribuição, e recusar a mesma prestação aos dependentes daquele que contribuiu por 15 anos, mas perdeu a qualidade de segurado na data imediatamente anterior ao óbito, antes de implementar o requisito etário.    

Tais exemplos foram dados no voto de Sua Excelência o Desembargador Federal Sérgio Nascimento, in verbis:
AC - APELAÇÃO CIVEL - 874695 Processo: 2002.61.23.000032-9 UF: SP, Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA, Data da decisão: 04/05/2004, cuja ementa adiante está transcrita: “PREVIDENCIÁRIO -PENSÃO POR MORTE - AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS" - APLICAÇÃO DO ARTIGO 102 DA LEI Nº. 8.213/91 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TERMO INICIAL - CUSTAS PROCESSUAIS - CORREÇÃO MONETÁRIA - JUROS DE MORA.  (...) III - Ainda que a lei dispense o cumprimento de período de carência para a concessão da pensão por morte, o mesmo não se aplica quanto à condição de segurado do falecido. (STF; 6ª T.; EDRESP nº. 314402/PR); IV – A perda da qualidade de segurado não causa óbice à concessão do benefício de pensão por morte se já haviam sido preenchidos os requisitos necessários. Inteligência do artigo 102, §§ 1º e 2º, da Lei nº. 8.213/91; V - Com a edição da EC nº. 20/98, a ressalva efetuada na parte final do parágrafo 2º, do art. 102, da Lei nº. 8.213/91, passou a abranger também aquele que à época do óbito contava com a carência mínima necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, mas perdeu a qualidade de segurado e veio a falecer antes de completar a idade para obtenção deste benefício. (...) Data Publicação 18/06/2004 Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 874695 Processo: 200261230000329 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Data da decisão: 04/05/2004 Documento: TRF300082603 Fonte DJU DATA: 18/06/2004 PÁGINA: 396 Relator (a) JUIZ SERGIO NASCIMENTO. Decisão A Turma, por unanimidade de votos, não conheceu do agravo retido interposto pelo réu e deu provimento à apelação da autora, nos termos do voto do Relator.

O texto legal assim dispõe:
"Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos.
§ “2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior”.

Os Enunciados n.º 90 e 91, das Turmas Recursais Federais do Rio de Janeiro se compatibilizam com a regra de que o preenchimento dos requisitos para as aposentadorias urbana e rural por idade não precisam ser  simultâneos,  sendo  irrelevante  a  perda  da  condição de segurado para o gozo do benefício.

No caso específico da aposentadoria por idade, se o instituidor não implementou o requisito da idade pelo fato de ter falecido antes de alcançar a idade mínima, tal condição não pode ser fato impeditivo a sua viúva em receber o benefício de pensão por morte, pois conforme a legislação previdenciária, a concessão do mencionado benefício independe de carência. Em caso idêntico decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 263.005/RS, o instituidor tinha recolhido mais de 60 contribuições previdenciárias, carência suficiente – naquele caso em específico – para obtenção do benefício, motivo pelo qual incidiu a exceção prevista em lei que autoriza a concessão do benefício sem haver condição de segurado do falecido.

Conforme brilhante lição do Desembargador Federal Sérgio do Nascimento, do TRF da 3ª Região, necessário se faz uma interpretação sistemática e teleológica da Lei 8.213/91 considerando-se a promulgação da Emenda Constitucional 20/98, que deu caráter contributivo à Previdência Social. Assim, não mais se justifica a interpretação de que é irrelevante a carência cumprida por quem faleceu após perder a qualidade de segurado sem alcançar a idade mínima para a aposentadoria por idade. Nessa seara, conclui o ilustre magistrado: "Diante do exposto, com a edição da EC nº. 20/98, a ressalva efetuada no parágrafo 2º, do art. 102, da Lei nº. 8.213/91, passou a abranger também aquele que à época do óbito contava com a carência mínima necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, mas perdeu a qualidade de segurado e veio a falecer antes de completar a idade para obtenção deste benefício”.

Ainda com fundamento no acurado acórdão proferido pelo Colendo Tribunal Regional da 3ª Região, cumpre destacar que o princípio da solidariedade na previdência social não deve ser levado em consideração somente no plano de custeio, mas também no de benefícios, além do que não seria racional e coerente que em um sistema previdenciário social a lei tenha levado em consideração apenas os casos de incapacidade presumida (evento idade), desprezando as situações de incapacidade comprovada (evento invalidez e doença), bem como à proteção à família (evento morte). Destarte, para fins de pensão por morte, a exigência do requisito idade não é necessária para se comprovar o cumprimento dos requisitos à implementação de aposentadoria por idade, bastando-se, para tanto, o cumprimento do período de carência.

O Superior Tribunal de Justiça adotou no pretérito posicionamento parecido, consoante julgados a seguir transcritos

“RECURSO ESPECIAL FUNDADO EM VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL E DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DAS TESES TIDAS POR DIVERGENTES. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284/STF. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. PENSÃO POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 102 DA LEI Nº. 8.213/91. 1. Em havendo contribuição por mais de 180 (cento e oitenta) meses para os cofres da Previdência Social (art. 25, II da Lei nº. 8.213, de 1991), a posterior perda da condição de segurado, em função de desemprego, não impede a concessão do benefício da pensão, ex vi do art. 102, § 2º do diploma em apreço. É que o de cujus, antes da perda daquela condição, já reunira os requisitos próprios à aposentadoria, cifrados na observância do período de carência. 2. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único, do CPC c/c o art. 255 do RISTJ) de confronto, que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre excertos do acórdão recorrido e trechos das decisões apontadas como dissidentes, ou mesmo com a dicção de súmula porventura trazida à colação, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, há flagrante deficiência nas razões recursais, com incidência da súmula 284/STF. 3. Recurso não conhecido(STJ – 6ª Turma, Recurso Especial nº. 282588-PE, rel Min. Fernando Gonçalves, DJ 23/04/2001, p. 196).”

“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - PENSÃO POR MORTE - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS' - INEXISTÊNCIA. - Consoante inteligência do artigo 30 do Decreto nº. 3.048/99, independe de carência a concessão do benefício de pensão por morte. – A perda da qualidade de segurado do "de cujus", após o preenchimento dos requisitos exigíveis, não impede o direito à concessão do benefício a seus dependentes. - Recurso conhecido e provido (STJ – 5ª Turma, Recurso Especial nº. 263005-RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 05/02/2001, p. 123).”

A questão enfrentada também esbarra no princípio constitucional da proporcionalidade, ou da razoabilidade como preferem alguns doutrinadores, que embora não esteja disposto expressamente do texto constitucional, é assente na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 1910-MC/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, 22.04.2004 RE 266994/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 31.03.2004). É  irrazoável a recusa do benefício de pensão por morte a dependentes do instituidor que, embora tenha perdido a condição de segurado, versou expressiva quantidade de contribuições, se essa mesma pensão por morte é concedida aos dependentes do segurado que contribuiu apenas por uma vez - pois não é exigida carência para o benefício.

Aqui, abro um parêntese para fazer breve análise sócio-comparativa do benefício de pensão por morte com o de aposentadoria por idade. De acordo com os dispositivos acima transcritos, pode-se observar que a lei tem protegido o idoso, garantindo-lhe a aposentadoria embora tenha perdido a qualidade de segurado, em conformidade com a tabela do artigo 142 da Lei 8.213/91 e com o artigo 3º a Lei 10.666/2003. Todavia, mesma proteção tem negado à família, a infância e a adolescência - confrontando outras normas legais e impedindo o cumprimento de princípios constitucionais específicos (art. 203 da Constituição) -, ao inviabilizar pela proibição contida no artigo 102 e seus parágrafos o benefício de pensão por morte aos dependentes, ainda que nas mesmas condições em que seria concedida a aposentadoria, bem como eventual pensão por morte consequente desta. Em suma, a concessão do benefício encontra fundamento no art. 142, da Lei 8.213/91:

Art.142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o trabalhador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade por tempo de serviço e especial obedecerá a seguinte  tabela,  levando-se  em  conta  o  ano  em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.  

Complementando o dispositivo supra, a Lei 10.666/2003 assim dispôs:

Art. 3. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
Conforme visualizado, a ocorrência do evento morte antes do implemento da idade não deve obstaculizar  o recebimento do benefício pela viúva, visto que, à luz da legislação previdenciária, a concessão do referido benefício não depende de carência. Destarte, como a Previdência Social passou a ter caráter contributivo, não mais se justifica a interpretação que até recentemente era dada ao § 2º, do art. 102, da Lei nº. 8.213/91, no sentido de que seria irrelevante a carência já cumprida por quem veio a falecer após perder a qualidade e sem ter atingido a idade mínima para a aposentadoria por idade, tanto que o próprio legislador ordinário já compatibilizou este novo perfil da previdência social brasileira com os benefícios da aposentadoria por tempo de contribuição, especial e por idade, com a edição da Lei nº. 10.666/03, como se observa:
Art. 3º - A perda da qualidade de segurado não será considerada para concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§ 1º - Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência de carência na data do requerimento do benefício.
Os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade não são mais simultâneos, isto é, a carência e a idade mínima. Em decorrência, para fins de pensão por morte, a exigência do requisito idade não é necessária para se comprovar o implemento das condições legais para a percepção da aposentadoria por idade, sendo suficiente, para tanto, o cumprimento do período de carência, a luz do que preconiza o princípio da solidariedade contributiva, ao passo que não  há  necessidade  de  concomitância  entre  as contribuições e a idade, conforme determina o art. 3º, §1º da Lei n.º 10.666/03
Por força da necessária evolução do pensamento jurídico e da salutar alternância na composição das instâncias responsáveis pela aplicação da norma, surgem decisões louváveis e dignas de aplausos, como a  proferida recentemente pela Colenda 1ª Turma Recursal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, com base no excelente voto da Exma. Juíza Federal Relatora, Dra. Itália Maria Zimardi Arêas Poppe Bertozzi, em recurso interposto pela Defensoria Pública da União, in verbis:

1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS RECURSO INOMINADO Nº 2010.51.51.033090-6/01 RELATORA: JUÍZA FEDERAL ITÁLIA MARIA ZIMARDI ARÊAS POPPE  BERTOZZI EMENTA - VOTO PREVIDENCIÁRIO.  BENEFÍCIO  DE  PENSÃO  POR  MORTE.  SEGURADO FALECIDO  QUE  PERDEU  A  QUALIDADE  DE  SEGURADO  ANTES  DO  ÓBITO, O QUAL POSSUÍA MAIS DE CENTO E OITENTA CONTRIBUIÇÕES PARA O RGPS. PREENCHIMENTO DA CARÊNCIA PARA A OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA  POR  IDADE.  ARTIGO  6º  DA  LEI  9.099/95.  RECURSO PROVIDO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SENTENÇA REFORMADA. Trata-se  de  recurso  inominado  interposto  pela  parte  autora  contra sentença  que  negou  provimento  ao  pedido  de  concessão  de  pensão  por  morte  do  seu falecido cônjuge, em razão da perda da qualidade de segurado do instituidor.  Com  relação  às  razões  do  recurso  inominado  interposto,  a  recorrente  alega que o de cujus havia computado mais de 18 (dezoito) anos de contribuição, tempo superior ao período de carência necessário para aposentar-se, não sendo razoável negar-lhe o benefício pretendido em razão da perda da qualidade de segurado do de cujus. Assiste razão à recorrente. O benefício pensão por morte está regulamentado nos artigos 74 a 79 da Lei  nº  8.213/1991  e  105  a  115  do  Regulamento  da  Previdência  Social  (Decreto  n.º 3.048/1999),  e  para  sua  fruição,  é  necessário  o  preenchimento  de  três  requisitos,  quais sejam:  morte  do  segurado;  manutenção  da  qualidade  de  segurado  no  momento  imediatamente anterior ao óbito; e possuir qualidade de dependente do segurado, nos termos do art. 16, da Lei nº 8.213/91. O  preenchimento  do  primeiro  e  do  terceiro  requisito  é  incontroverso, consoante  certidão  de  óbito  e  de  casamento  acostadas  aos  autos.  Resta,  portanto, verificar a manutenção da qualidade de segurado do instituidor à época do óbito. Da  certidão  de  óbito  de  fls.  17,  vê-se  que  o  instituidor  faleceu  em 05/12/2007, tendo recolhido sua última contribuição em 11/1993 (fls. 47). Dessa forma, o  instituidor  teria  ostentado  a  condição  de  segurado,  caso  consideradas  todas  as prorrogações  do  período  de  graça,  até  no  máximo  15/02/1995,  momento  anterior  ao óbito,  já  que  os  segurados  contribuinte  individual  e  facultativo  estão  obrigados  a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência, nos termos do art. 15, §§1º e 4º da Lei n.º 8.213/91 c/c o art. 30, II da Lei  n.º 8.212/91. Não obstante,  embora  à  data do óbito o de  cujus não mais mantivesse  a  qualidade de segurado, vez que estava há mais de quatorze anos sem contribuir para o INSS, o mesmo preenchia o requisito de tempo de contribuição para aposentadoria por idade,  havendo  carência,  faltando  tão  somente  o  requisito  idade.  É  certo,  porém,  que para  a  aposentadoria  por  idade  não  há  necessidade  de  concomitância  entre  as contribuições e a idade, conforme determina o art. 3º, §1º da Lei n.º 10.666/03. Assim sendo, considerando que para a concessão do benefício de pensão por  morte  não  há  carência,  sendo  certo  que  basta  um  único  dia  de  trabalho  como empregado  para  garantir  aos  dependentes  do  segurado  a  concessão  do  benefício, entendo que é razoável a concessão da pensão por morte à autora. A  uma,  porque  o  falecido  contribuiu  com  tempo  suficiente  para aposentadoria  por  idade,  mais  de  180  (cento  e  oitenta)  contribuições.  A  duas,  porque não  se  configura  como  justo  se  prender  ao  requisito  da  idade  do  falecido  para  fins  de aposentadoria, vez que para concessão da pensão por morte tal requisito é dispensável. A três, porque a pensão por morte possui caráter eminentemente assistencial, não sendo razoável deixar de reconhecer aos dependentes do falecido que contribuiu por mais de quinze anos para a Previdência o direito ao benefício ora pretendido, mesmo que tenha perdido a qualidade de segurado. Se  o  falecido  possuía  carência  até  para  aposentar-se,  que  é  a  espécie  de benefício  que  exige  o  maior  tempo  de  carência,  é  irrazoável  não  conceder  aos  seus dependentes  o  benefício  de  pensão  por  morte  que  sequer  exige  carência,  até  porque quando o falecido cumprisse o requisito etário, ainda que nunca mais efetuasse qualquer contribuição  previdenciária,  teria  direito  ao  recebimento  da  aposentadoria  que  seria convertida em pensão por morte. Com isso, se coadunam os Enunciados n.º 90 e 91, das Turmas Recursais do Rio de Janeiro, para os quais o preenchimento dos requisitos para as aposentadorias urbana  e  rural  por  idade  não  precisam  ser  simultâneos,  sendo  irrelevante  a  perda  da condição de segurado para o gozo do benefício. O  Egrégio  Superior  Tribunal  de  Justiça  já  se  manifestou  neste  sentido, senão vejamos: “RECURSO  ESPECIAL  FUNDADO  EM  VIOLAÇÃO  DE  LEI  FEDERAL  E DISSIDIO  PRETORIANO.  NÃO  DEMONSTRAÇÃO  ANALITICA  DAS TESES  TIDAS  POR  DIVERGENTES.  DEFICIÊNCIA  RECURSAL. SÚMULA  284/STF.  PREVIDENCIÁRIO.  BENEFÍCIO.  PENSÃO  POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ART. 102 DA LEI Nº. 8.213/91. 1. Em havendo contribuição por mais de 180 (cento e oitenta) meses para  os  cofres  da  Previdência  Social  (art.  25,  inciso  II,  da  Lei  nº.  8.213  de 1991),  a  posterior  perda  da  condição  de  segurado,  em  função  de  desemprego,  não impede a concessão do benefício da pensão, ex vi do art. 102, parágrafo 2º, do diploma em apreço. É o que o de cujus, antes da perda daquela condição, já reunira  os  requisitos  próprios  à  aposentadoria,  cifrados  na  observância  do período  de  carência.  2.  Malgrado  a  tese  de  dissídio  jurisprudencial,  há necessidade,  diante  das  normas  legais  regentes  da  matéria  (art.  541,  parágrafo único,  do  CPC  c/c  art. 255  do  RISTJ)  de  confronto,  que  não  se satisfaz  com  a  simples  transcrição  de  ementas,  entre  excertos  do  acórdão  recorrido  e  trechos das  decisões  apontadas  como  dissidentes,  ou  mesmo  com  a  dicção  de  súmula porventura  trazida  à  colação,  mencionando-se  as  circunstâncias  que identifiquem  ou  assemelhem  os  casos  confrontados.  Ausente  a  demonstração analítica  do  dissenso,  há  flagrante  deficiência  nas  razões  recursais,  com incidência da súmula 284/STF. 3. Recurso não conhecido.” (STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RESP – 282588 Processo 2000001049801 UF: PE  Órgão Julgador: Sexta Turma Fonte da Decisão: 27.03.2001). Acresça-se, por oportuno, que o art. 6º da Lei n.º 9.099/95 determina que “O  Juiz  adotará  em  cada  caso  a  decisão  que  reputar  mais  justa  e  equânime,  atendendo aos  fins  sociais  da  lei  e  às  exigências  do  bem  comum”,  isto  é,  o  juiz  do  Juizado  deve buscar a Justiça pela senda da equidade. Equidade é o tempero do rigor da lei na busca da  decisão  mais  justa.  Aplicando  a  equidade  no  presente  caso,  entendo  que  deve  ser temperado  o  rigor  da  lei  na  exigência  da  qualidade  de  segurado  do  falecido  posto  que este  contribuiu  por  mais  de  dezoito  anos  e  não  atende  aos  fins  sociais  da  legislação  previdenciária e  às exigências do bem comum deixar ao desamparo os dependentes de quem  contribuiu  por  tanto  tempo  para  a  Previdência  Social,  sendo  que  o  benefício  de pensão  por  morte  sequer  exige  carência  e  o  falecido  verteu  para  a  Previdência  Social contribuições  suficientes  até  para  se  aposentar  por  idade,  sendo  que  a  aposentadoria  é  espécie de benefício que exige o maior período de carência. Acerca do tema, vale citar os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO.  PENSÃO  POR  MORTE.  QUALIDADE  DE SEGURADO  NA  DATA  DO  ÓBITO.  PERDA.  ARTIGO  102  DA  LEI  Nº 8.213/91.  CARÊNCIA  PARA  CONCESSÃO  DE  APOSENTADORIA  POR IDADE  IMPLEMENTADA.  -  Se  o  falecido  antes  da  perda  da  qualidade  de segurado  implementou  os  requisitos  para  a  concessão  de  aposentadoria  por  idade  -  carência  -,  deve  ser  concedido  o  benefício  de  pensão  por  morte. Inteligência do artigo 102 da Lei nº 8.213/91, com a redação atual. Precedente do egrégio STJ. - Se ocorrido o óbito do segurado anteriormente à edição da Lei 9.528/97,  que  alterou  o  artigo  74  da  Lei  8.213/91,  o  benefício  de  pensão  por morte  é  devido  desde  a  data  do  falecimento.  (TRF4,  AC  200204010193828; Relator(a):  PAULO  AFONSO  BRUM  VAZ;  Órgão  julgador:  QUINTA TURMA; Fonte; DJ 25/05/2005 PÁGINA: 824).  PREVIDENCIÁRIO.  PROCESSO  CIVIL.  PENSÃO  POR  MORTE.  APELO. DECISÃO  MONOCRÁTICA.  AGRAVO  LEGAL.  QUALIDADE  DE SEGURADO  DO  FALECIDO.  DEMONSTRAÇÃO.  DOENÇA  GRAVE  E CUMPRIMENTO  DE  TEMPO  DE  CARÊNCIA  EXIGIDA  À  OBTENÇÃO DE  APOSENTADORIA  POR  IDADE.  IMPROVIMENTO.  -Agravo  legal tendente  à  reforma  de  decisão  unipessoal.  -Inocorrência  da  alegada  perda  da qualidade  de  segurado,  pelo  falecido,  que  deixou  de  contribuir  em  virtude  de doença  grave  incapacitante.  -Eventual  perda  da  qualidade  de  segurado,  não afasta o direito da vindicante ao benefício de pensão por morte, visto ter restado demonstrado  o  preenchimento,  pelo  de  cujus,  do  tempo  de  carência  mínima exigida  à  obtenção  de  aposentadoria  por  idade,  vindo  a  falecer  antes  do implemento  do  requisito  etário.  -Inteligência  dos  artigos  102,  §  2º,  da  Lei  nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, 201, inc. I, da CR/88 e 3º, da  Lei  nº  10.666,  de  08/05/2003.  -Precedentes  desta  Décima  Turma,  sobre  a matéria  vertida  nos  autos.  -Agravo  legal  improvido.  (APELREE 200061830046990,  DESEMBARGADORA  FEDERAL  ANNA  MARIA  PIMENTEL,  TRF3,  DÉCIMA  TURMA,  DJF3  CJ1  DATA:28/10/2009 PÁGINA: 1803) A  autora  requereu  a  pensão  por  morte  em  15/04/2010  (fls.  16)  e  o  de  cujus faleceu em 05/12/2007 (fls. 17). Destarte, a DIB do benefício será fixada na data  do requerimento administrativo, tendo em vista o art. 74, II da Lei n.º 8.213/91. Logo,  merece  acolhimento  o  recurso  interposto,  na  forma  da fundamentação acima. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO DA PARTE AUTORA e DOU-LHE PROVIMENTO, reformando a sentença de primeiro grau para condenar o INSS a conceder à autora o benefício de pensão por morte desde a DER (15/04/2010). Concedo a TUTELA ANTECIPADA tendo em vista o caráter alimentar do  benefício,  para  determinar  que  o  INSS  implante,  no  prazo  de  30  (trinta)  dias,  o referido benefício, com DIB a contar da data do requerimento (15/04/2010).  As  parcelas  em  atraso  deverão  ser  atualizadas  monetariamente  desde  quando  devidas  pela  Tabela  de  Precatórios  da  Justiça  Federal  e  acrescidas  de  juros  de  mora desde a citação de 1% ao mês. Ressalta-se que a partir da Lei nº 11.960/2009, que  conferiu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, a correção monetária e os juros seguirão a sua sistemática. Sem custas e sem honorários. Publique-se. Intime-se.  Após certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa ao Juizado de origem. É como voto. ACÓRDÃO  Vistos,  relatados  e  discutidos  os  autos  em  que  são  partes  as  acima indicadas,  acordam  os  Srs.  Juízes  Federais  da  Primeira  Turma  Recursal  dos  Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Rio de Janeiro, 6 de junho de 2012. ITÁLIA MARIA ZIMARDI ARÊAS POPPE BERTOZZI  Juíza Federal – 1ª Turma Recursal.
Esperamos que a supracitada decisão, calcada nos mais puros axiomas constitucionais, sirva de norte e profetize o novo rumo da matéria.
A Seguridade Social se destina à cobertura dos riscos sociais, conferindo amparo social a segurados e dependentes que sofrem os efeitos decorrentes de infortúnios causados por doenças, acidentes ou mortes, e a pensão por morte é um benefício de caráter substitutivo, que visa suprir, ou pelo menos atenuar, a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. Por óbvio, não é crível admitir que uma visão formal do direito, divorciada dos ditames constitucionais, limite a cobertura de um direito social petrificado, considerando que a insubsistência do benefício de pensão por morte colocaria em risco o mínimo existencial do dependente que, desprovido de receita, se vê em situação de vulnerabilidade com a morte do provedor da família.

Além da violação ao princípio do devido processo legal, em sua acepção substantiva, a aplicação literal das normas ordinárias positivadas sobre a pensão por morte fere o princípio da razoabilidade e equidade. Com relação ao princípio da isonomia, o teratológico posicionamento dominante, trata de maneira desigual casos idênticos. Explica-se: Admitamos que os segurados “Mévio” e “Tício” morreram após cumprirem a carência da aposentadoria por idade, sendo que Mévio faleceu com idade de 65 anos e Tício com 64 anos e 11 meses. Nos termos do posicionamento em testilha, somente os dependentes de Mévio teriam direito à pensão. Entretanto, haveria alguma diferença substancial entre as duas hipóteses? Assim, a prevalecer estritamente o critério legal no exemplo acima, teríamos de considerar que os dependentes de Tício estariam sendo punidos pelo fato da pessoa de quem dependiam falecer antes do tempo, em que pese o evento morte, conforme ressaltado nas linhas acima, se constituir exatamente no fato gerador da pensão por morte.

Assim, esperamos que as instâncias decisórias brasileiras submetam a questão em testilha ao filtro da Constituição Federal de 1988, e abracem entendimento semelhante ao adotado pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, nos termos da fina lavra da Juíza Itália Maria Zimardi Arêas Poppe Bertozzi, aplicando uma interpretação sistemática que realce a valorização social do trabalho e o sistema contributivo.

REFERÊNCIAS.
1. TRF/3. AC 1184898, Rel. Juiz Nino Toldo, DJU 8/8/2007.
2. Data Publicação 18/06/2004 Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 874695 Processo: 200261230000329 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Data da decisão: 04/05/2004 Documento: TRF300082603 Fonte DJU DATA: 18/06/2004 PÁGINA: 396 Relator (a) JUIZ SERGIO NASCIMENTO.
3. Enunciados n.º 90 e 91, das Turmas Recursais Federais do Rio de Janeiro.
4.  STJ/REsp 263.005/RS.
5. STJ – 6ª Turma, Recurso Especial nº. 282588-PE, rel Min. Fernando Gonçalves, DJ 23/04/2001, p. 196.
6. STJ – 5ª Turma, Recurso Especial nº. 263005-RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 05/02/2001, p. 123.
7. ADI 1910-MC/DF, Relator Min. Sepúlveda Pertence, 22.04.2004 RE 266994/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 31.03.2004.
8. 1ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. RECURSO INOMINADO Nº 2010.51.51.033090-6/01 RELATORA: JUÍZA FEDERAL ITÁLIA MARIA ZIMARDI ARÊAS POPPE  BERTOZZI.

Defensor Público Federal Titular do 5° Ofício Previdenciário do Núcleo da Defensoria Pública da União no Estado do Rio de Janeiro. Coordenador de Assuntos Acadêmicos do Núcleo da Defensoria Pública da União no Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito nas Relações de Consumo pela Universidade Candido Mendes - UCAM. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento na Universidade Candido Mendes. Professor do Curso de Direito da Universidade Candido Mendes. Professor dos Cursos de Pós-Graduação do IBMEC.




quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A presunção de paternidade na união estável


Ao fazer referência expressa à presunção de filiação durante a constância do casamento, o legislador perdeu a oportunidade de garantir idêntica proteção aos filhos nascidos durante a constância de uma união estável.
O artigo 1.597, incisos I ao V, do Código Civil de 2002, previu 05 (cinco) hipóteses de presunção de paternidade dos filhos concebidos na constância do casamento. Este dispositivo é o que a doutrina chama de presunção pater is est. Para melhor entendimento, vale transcrever sua redação:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
O dispositivo em testilha, ante sua objetividade textual, não traz maiores questionamentos. De outro lado, peca por dizer menos do que deveria, ao menos sob o viés constitucional de proteção à família e à criança.
Quer-se dizer que, ao fazer referência expressa à presunção de filiação durante a constância do casamento, o legislador perdeu a oportunidade de garantir idêntica proteção aos filhos nascidos durante a constância de uma união estável. Desta forma, há aparente tratamento desigual em situações iguais. Diz-se aparente porque, numa interpretação do dispositivo em comento, sob filtragem constitucional, a presunção deve incidir em ambas as situações, sob pena de cometer-se odiosa injustiça.

Basta a análise do seguinte exemplo para se enxergar a necessidade da aplicação do artigo 1.597 do Código Civil às uniões estáveis. Imagine-se que uma mulher viveu em união estável - comprovada por escritura pública lavrada no tabelionato de notas -  por dez anos com seu companheiro, o qual faleceu e deixou três filhos em comum. Dos três filhos, dois foram reconhecidos e registrados sob a paternidade do finado. O mais novo, porém, nascido um dia antes do falecimento do pai, não teve sua paternidade registrada. Se esta mulher fosse casada com o falecido, quanto a paternidade não haveria maiores problemas, pois, por influxo de expressa disposição legal, o fato se adequaria à hipótese normativa abstratamente prevista. Todavia, como no exemplo dado a mulher não mantinha vínculo matrimonial com o falecido, poderia ser sustentado que diante da falta de previsão legal seria necessário o ajuizamento de ação de investigação de paternidade post mortem. Entretanto, como adiante se verá, esta não é a solução adequada.
A Constituição da República de 1988 conferiu tratamento ímpar à família e, expressamente, elegeu a união estável à condição de entidade familiar, senão, veja-se:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
A leitura do dispositivo acima conduz o intérprete à conclusão de que o casamento e a união estável devem receber idêntica proteção estatal. E a conclusão não poderia ser distinta, uma vez que ambos são espécies do gênero instituição familiar. Tamanha é a importância da união estável que o legislador constituinte, prevendo a possibilidade do intérprete fazer distinções de tratamentos irrazoáveis entre o casamento e a união estável, previu explicitamente em relação a esta a proteção do Estado.
Veja que a previsão contida no § 3º em relação à proteção estatal da união estável não se repetiu em relação ao casamento, embora pareça óbvio que o casamento indiscutivelmente receberá a proteção do Estado. Pensamos que ao legislador constituinte pareceu que a obviedade da proteção conferida ao casamento poderia não se repetir quando do trato da união estável. Por isso, com o fim de não deixar margens às dúvidas, foi expresso e claro.
A proteção à família insculpida no texto constitucional vai ao encontro da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Observe-se que somente haverá dignidade se todas as formas de arranjos familiares forem reconhecidos e protegidos pelo Estado. O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, abre o conceito de família(s).
Sem a pretensão de adentrar nos diversos arranjos familiares (socioafetivo, homoafetivo, monoparental, anaparental, pluriparental etc), que não são o enfoque desta breve análise, vamos nos delimitar à união estável formada entre homem e mulher. A união estável é definida pelo artigo 1.723 do Código Civil nos seguintes moldes:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Deflagra-se da norma acima que a união estável, sob o prisma sociológico, identifica-se com o casamento. Ora, se o cotidiano da nossa sociedade demonstra que no plano fático a união se equipara ao casamento, posto que é configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, não cabe ao legislador, muito menos ao exegeta, negar esta realidade.
Não cabe ao intérprete negar aquilo que o legislador constituinte expressamente determinou, ou seja, a proteção tanto do casamento quanto da união estável.
Importante considerar que não é a formalidade do casamento que faz presumir filiação, mas sim a situação fática, a coabitação do casal. Tanto é verdade que a presunção de filiação permanece intacta ainda que o casamento venha a ser declarado nulo ou se trate de casamento putativo.
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
E se o legislador optou por dar maior proteção à situação fática no casamento, mesmo raciocínio deve ser empregado em relação à união estável. É por isso que onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito. Portanto, se há a presunção legal da paternidade no casamento, não há motivos para que esta regra não incida sobre a união estável.
Ao discorrer sobre a possibilidade de presunção legal de paternidade na união estável, leciona Paulo Luiz Netto Lôbo que:
Ainda que o artigo sob comento refira-se à "constância do casamento", a presunção de filiação, paternidade e maternidade aplica-se integralmente à união estável. A redação originária do projeto do Código Civil de 2002 reproduziu a equivalente do Código de 1916, que apenas contemplava a família constituída pelo casamento e a filiação legítima, não tendo sido feita a atualização pelo Congresso Nacional ao disposto no art. 226 da Constituição Federal (AZEVEDO, Álvaro Villaça (coordenador). Código Civil Comentado: Direito de Família, Relações de Parentesco, Direito Patrimonial – artigos 1.591 a 1.693. 15 v. São Paulo: Atlas, 2003. p.59).
A análise de Paulo Lôbo sobre a origem do texto legal denota que o legislador infraconstitucional, ainda apegado aos vetustos valores da nossa sociedade passada, não trouxe ao Código Civil a roupagem constitucional merecida. Aliás, diga-se de passagem, há inúmeros dispositivos espraiados no dito código que certamente serão alterados por projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional, com o escopo de adequa-lo à nossa realidade.
É preciso fazer uma interpretação da lei conforme a Constituição da República.
Mais grave ainda do que deixar a união estável desguarnecida, a interpretação que nega a presunção legal da paternidade à união estável deixa desprotegida a criança fruto deste relacionamento.
Não há a menor dúvida de que a ratio do artigo 1.597 do Código Civil não é a proteção ao casamento, mas sim à prole. O objetivo é garantir que esta criança não fique sem um pai reconhecido e que este reconhecimento de paternidade seja feito sem burocracia e questionamentos. A paternidade é relativamente presumida. Relativa porque admite prova em contrário, que deverá ser produzida por quem alegar estado contrário à presunção legal.
Perceba-se que o foco legal é justamente evitar que a criança, que foi concebida durante o período de convivência entre seus genitores, seja submetida a um longo e tormentoso processo judicial de investigação de paternidade.
Do mesmo modo que a união estável, a proteção à criança tem status constitucional e cabe à família, à sociedade e ao Estado efetivar esta proteção com prioridade absoluta.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Atento a questão que aqui discutimos, o Superior Tribunal de Justiça publicou recentemente acórdão enfrentando esta matéria. No caso concreto, reconheceu a presunção da paternidade de prole concebida na constância de união estável.
DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PRESUNÇÃO DE CONCEPÇÃO DE FILHOS. A presunção de concepção dos filhos na constância do casamento prevista no art. 1.597, II, do CC se estende à união estável. Para a identificação da união estável como entidade familiar, exige-se a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação dos filhos em comum. O art. 1.597, II, do CC dispõe que os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal presumem-se concebidos na constância do casamento. Assim, admitida pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 1.723 do CC), inclusive pela CF (art. 226, § 3º), a união estável e reconhecendo-se nela a existência de entidade familiar, aplicam-se as disposições contidas no art. 1.597, II, do CC ao regime de união estável. Precedentes citados do STF: ADPF 132-RJ, DJe 14/10/2011; do STJ: REsp 1.263.015-RN, DJe 26/6/2012, e REsp 646.259-RS, DJe 24/8/2010. REsp 1.194.059-SP, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 6/11/2012.
Por fim, é importante lembrar que para que haja a presunção da paternidade e o registro do nascimento independentemente do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, imprescindível que haja prova pré-constituída da união estável, sob pena do ordenamento deixar margens ao cometimento de fraudes.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Crescem as fraudes com uso do CPF alheio; um terço dos casos envolve telefonia

por MARIANNA ARAGÃO
 
As tentativas de fraudes na contratação de serviços e produtos com o uso de dados pessoais alheios, como CPF e RG, têm se expandido no Brasil nos últimos anos.
De janeiro a setembro deste ano, foi registrado 1,56 milhão de tentativas de fraude desse tipo, um aumento de 13% em relação ao mesmo período de 2010.
Cerca de um terço do total corresponde a tentativas de fraudes realizadas em empresas de telefonia.
Os dados são de um levantamento da Serasa Experian obtido pela Folha.
A empresa de análise de crédito chegou ao número após cruzar informações sobre consultas mensais a CPFs e estimativa de risco solicitadas por empresas de diferentes segmentos.
O setor de serviços, que engloba companhias de seguro, construção, imobiliárias, turismo e outras atividades, lidera o registro de tentativas de fraude realizadas neste ano, com 36% do total, segundo a pesquisa.
O setor de telefonia, que inclui apenas operadoras, tem a segunda maior participação, com 33%. No ano passado, esse índice correspondia a 25% do total.
Bancos e empresas de varejo respondem, respectivamente, por 18% e 11% dos casos mapeados pela Serasa.

INTERNET

A popularização da internet e das mídias sociais é apontada como um fator impulsionador desse tipo de ação criminosa.
É comum as pessoas fornecerem seus dados pessoais em cadastros na internet sem verificar a idoneidade e a segurança dos sites, segundo Ricardo Loureiro, presidente da Serasa Experian.
"Se os falsários conseguem utilizar cartão de crédito, por que não utilizariam o CPF?"
Para que as pessoas não sejam vítimas de fraudes, especialistas recomendam parcimônia na hora de colocar informações na internet.
As empresas, porém, também têm responsabilidade, diz Selma do Amaral, diretora do Procon-SP.
"É obrigação das companhias verificar a veracidade das informações fornecidas na hora da venda."
Na maioria dos casos, o cidadão que teve o dado pessoal utilizado na fraude só tem conhecimento do problema quando recebe alguma cobrança pelo bem contratado ou quando tem crédito negado por inadimplência.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Nascimento de Palas Athena (Minerva)


Narra o mito que a Sabedoria e a Justiça, personificadas pela deusa grega Athena, é fruto de Métis (a astúcia, a inteligência) com o poderoso Zeus, ordenador do Cosmos.
Após ter sido proferido pelo oráculo que, se Zeus tivesse uma filha, ela se tornaria ainda mais poderosa que ele, Zeus tratou de engolir Métis para impedir o nascimento. Assim, Athena é gerada na cabeça do soberano do Olimpo (por isso, a deusa é associada ao lógos).
Findado o período de gestação, o supremo deus começou a sentir terríveis dores de cabeça, pois enquanto a Justiça não nasce, elas são inevitáveis.
Desesperado e no limite, Zeus ordena ao ferreiro divino Hefestos (Vulcano) que lhe abra a cabeça. Mesmo a contragosto, com técnica e precisão, desferra-lhe o machado de ouro certeiro e todos se surpreendem ao verem surgir, imponente e armada, pronta para a guerra, a deusa Palas Athena.
Palas significa "a donzela", pois a poderosa filha pede ao pai para manter-se sempre virgem e, desta forma, impor-se com a autoridade de quem não se deixa seduzir ou corromper.
Sua principal característica física é o porte altivo. Invocando a proteção de Athena sobre todo e qualquer embate, tem-se a vitória como certa, uma vez que Palas Athena é sempre acompanhada por Niké (a vitória).

A Espada de Athena: Arma para fazer valer a Justiça.
Com a espada de ouro em punho ou lança resplandescente (numa imagem mais arcáica), que fora presente do deus da techné Hefestos, Athena já nasce fortemente armada, pronta para a guerra. Mas o combate da deusa grega é diferente da guerra do bélico deus Ares.
Na mitologia grega, Ares, é o cruel deus da guerra, da carnificina. Individualista, não titubeia em impor sua caprichosa vontade a quem quer que seja. Enaltecido pelos Romanos, impulsivo, Ares é um deus de caráter epimetéico: primeiro age, depois pensa.
Pensar é atividade da mente, do elemento Ar, este sim, distingüe os homens das bestas. Daí a prudente razoabilidade de Athena ser tão necessária à manutenção da ordem (Cosmos) e à evolução do espírito humano.
De gosto pelo desafio da conquista, Ares é acompanhado de Éris (a Discórdia), que com seu archote em chamas acende o furor no coração dos soldados e seus filhos, Deimos (terror) e Phóbos (medo), também servidores fiéis desse funesto deus.
O espetáculo hediondo da carnificina causa horror a deusa Athena. Os gregos sempre preferiram a sábia, justa guerreira Palas Athena, filha da razão do soberano do Olimpo. Athena é também patrona da guerra, mas trata-se do combate feito com inteligência e astúcia, motivado por um ideal honroso, guerra somente enquanto último recurso, quando torna-se insuficiente a lúcida resolução diplomática e pacífica de qualquer polêmica. Uma batalha também pode ser encarada como última e importante argumentação na defesa da justiça quando todas as outras falharam.
Sempre às turras com seu inimigo Ares, pois nem sempre encontram-se do mesmo lado na batalha, Palas (a donzela) será a única mulher a imiscuir-se aos homens, sendo sempre respeitada por eles. Antes do começo da batalha, eles sentem sua presença inspiradora e com isso anseiam mostrar seu heroísmo. “Sacudindo a terrível égide, a deusa brada e corre veloz entre as fileiras convocadas à batalha. Um momento atrás, esses homens haviam aplaudido com júbilo a idéia de voltar para sua pátria; agora a esquecem por completo: o espírito da deusa faz agitar todos os corações com ardor bélico”.
Renomados heróis como Tideu, Hércules, Ulisses e Aquiles dobram-se aos seus sábios conselhos.
Quanto ao herói Tideu, Athena foi sua fiel companheira de batalha, até quis torná-lo imortal. Aproximou-se do herói ferido de morte trazendo na mão a bebida da imortalidade. Mas ele estava a ponto de fender violentamente o crânio do adversário morto para sugar-lhe o cérebro. Horrorizada, a deusa retrocedeu e o protegido para quem ela cogitava o mais elevado destino mergulhou na morte comum, pois tinha desonrado a si mesmo.
“Athena seria mulher porque os orgulhosos heróis que se deixaram conduzir por ela não se submeteriam tão facilmente a um varão, mesmo que fosse um deus”.
Quando em fúria cega Aquiles está prestes a liquidar Agamêmnon, Athena toca seu ombro e o aconselha a dominar-se, contentando-se em ofender o Atrida somente com palavras. O herói prontamente guarda a espada já desembainhada.
Refletindo sobre a máxima de Heráclito: “A Guerra é Pai de todas as coisas”, é pela espada de Athena que se impõe a Justiça.

Cabeça da Medusa incrustada como efígie na Égide de Athena.
Athena carrega, no peitoral de sua armadura a cabeça de Medusa, a rainha das Górgonas.
As Górgonas são três irmãs (Medusa, a dominadora; Euríale, a errante e Esteno, a violenta) que simbolizam os inimigos interiores que temos de evitar. São deformações monstruosas da psique nascidas do desvirtuar de três pulsões humanas: sociabilidade (Esteno), sexualidade (Euríale) e espiritualidade (Medusa). Como a perversão espiritual prevalece sobre as outras, Medusa é conhecida como rainha das Górgonas.
A perversão da pulsão espiritual, por excelência, é a vaidade (imaginação exaltada em relação a si mesma) que é simbolizada pela serpente. Em Medusa, inúmeras serpentes coroam sua cabeça.
No frontispício do templo de Apollo (irmão de Athena), deus da harmonia, lêem-se as palavras que resumem toda a verdade oculta dos mitos: “conhece-te a ti mesmo”. A única condição do conhecimento de si mesmo é a confissão das intenções ocultas, que, por serem culpáveis, são habitualmente maquiadas pela vaidade (por uma justiça falsa, pois sem mérito, infundada). A inscrição reveladora significa, portanto: desmascara tua falsa razão, ou, o que dá no mesmo, aniquila tua vaidade. Faz-se necessário a clarividência em relação a si mesmo, o inverso do ofuscamento vaidoso e petrificante.
Ver Medusa significa: reconhecer a vaidade culposa, perceber a nu suas falsas razões, suas intenções ocultas, o que ninguém consegue confessar a si mesmo, da qual ninguém suporta a visão.
A cabeça da Medusa foi presente do herói Perseu, a quem a deusa Athena auxiliou em combate emprestando-o seu escudo, para que não a encarasse de frente e ficasse estagnado. O escudo reluzente de Athena, ao refletir a imagem verídica das coisas e dos seres, permite conhecer a si mesmo: é o espelho da verdade. Neste escudo, o homem se vê tal como é, e não como gosta de imaginar ser.
Athena é a deusa da combatividade espiritual (as três manifestações da elevação espiritual são a verdade, a beleza e a bondade). A sapiência, o amor pela verdade é a condição para ascender ao conhecimento de si e, em conseqüência, para adentrar na harmonia (Apollo).
Para derrotar a Medusa, foi necessário que o herói a surpreendesse enquanto dormia pois o homem somente é lúcido e apto ao combate espiritual quando a exaltação de sua vaidade não está desperta. Arma muito cobiçada, mesmo morta, a cabeça da Medusa continuou mantendo seu poder de petrificar quem a encarasse de frente.
Contra a culpabilidade advinda da exaltação vaidosa dos desejos, não há senão um único meio de salvaguarda: realizar a justa medida, a harmonia.
A deusa, símbolo da combatividade que inspira o amor à verdade, convida os mortais a reconhecerem-se em Medusa, incitando-os à luta contra a mentira essencial, a mentira subconscientemente desejada, o recalcamento, as falsas razões. A cabeça cortada prova que a Medusa não é invencível.
Antes de merecer o apoio de Athena, todo mortal deve encarar o símbolo da decadência espiritual (a vaidade). Somente assim têm-se certeza de que sua reivindicação não oculta outra intenção, ou seja, não é capricho, teimosia. Ante a imagem da Medusa, quem busca a deusa clamando por justiça tem somente duas possibilidades: contar com sua proteção (vitória certa), se já passou pela prova da Medusa, ou imobilizar-se no pânico e petrificar-se.



Coruja de Minerva.
As aves, por serem consideradas os seres mais próximos dos deuses, foram, conforme suas características e atribuições, associadas a eles. A soberana águia acompanhava o poderoso Zeus, o imponente pavão, sua consorte e protetora dos amores legítimos: a deusa Hera. À atenta coruja coube a companhia da sábia Athena.
Vemos a imagem da coruja, símbolo de uma vigilância constantemente alerta, nas mais antigas moedas atenienses. A coruja, em grego gláuks “brilhante, cintilante”, enxerga nas trevas. Um dos epítetos de Athena é “a de olhos gláucos” (esverdeados).
Em latim é Noctua, “ave da noite”. Noturna, relacionada com a lua, a coruja incorpora o oposto solar. Observem que Atena é irmã de Apollo (Sol). É símbolo da reflexão, do conhecimento racional aliado ao intuitivo que permite dominar as trevas. Apesar de haver uma forte associação desta ave à escuridão e a sentimentos tenebrosos, o que é natural a um ser noturno, o fato de ela ter sido (devido a suas específicas características) atribuída à deusa Athena também a tornou símbolo do conhecimento e da sabedoria para muitos povos.
A coruja é uma excelente conhecedora dos segredos da noite. Enquanto os homens dormem, ela fica acordada, de olhos arregalados, banhada pelos raios da sua inspiradora Lua. Vigiando os cemitérios ou atenta aos cochichos no breu, essa ambaixadora das trevas sabe tudo o que se passa, tendo-se tornado em muitas culturas uma profunda e poderosa conhecedora do oculto.
Havia uma antiga tradição segundo a qual quem como carne de coruja participa de seus poderes divinatórios, de seus dons de previsão e presciência. A coruja tornou-se assim atributo tradicional dos mânteis, daqueles que praticam a mântica, a arte do divinatio, da adivinhação, simbolizando-lhes o dom da clarividência.
Eis a ave da deusa da Sabedoria e da Justiça: atenta coruja, cujo pescoço gira 360º, possuidora de olhos luminosos que, como Zeus, enxergam “O todo”. Devido a todos esses atributos, a Coruja simboliza também a Filosofia, os Professores e nossa proposta de Conhecimentos Sem Fronteiras: integrar todas as formas de conhecimento com o olhar para O Todo.

Na introdução de sua obra Filosofia do Direito, o Filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830), escreve o seguinte:
Quando a filosofia pinta cinza sobre o grisalho,
uma forma de vida já envelheceu e, com o cinza
sobre cinza não se pode rejuvenescer, apenas reconhecer;
A coruja de Minerva alça seu vôo
somente com o início do crepúsculo.



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Pedido de envio de contrato por e-mail é válido

O consumidor pode solicitar cópia de contrato de serviço por e-mail, se este canal lhe for disponibilizado. Isso porque este documento é comum entre comprador e vendedor. No entanto, se esta lhe for negada, é lícito recorrer ao Judiciário para garantir o direito, já que ficou caracterizado o interesse de agir. Com esta linha de raciocínio, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que julgou improcedente Ação Cautelar de Exibição de Documentos. O acórdão é do dia 27 de setembro.

Na Apelação, a autora disse que tentou, sem sucesso, obter os documentos referente ao contrato entabulado com a Losango Promoções e Vendas. A empresa, simplesmente, não lhe respondeu o e-mail em que fez o pedido. Como não foi atendida no âmbito administrativo, optou por trilhar a via judicial.

O juiz convocado Victor Luiz Barcellos Lima, que relatou o caso no TJ-RS, salientou que a autora instruiu a inicial com a comprovação do envio do e-mail à Losango. E esta, por sua vez, não comprovou ter atendido ao pedido — o que restou configurado o interesse de agir. Com isso, deduziu, a única alternativa cabível foi a postulação da tutela jurisdicional do estado.

Para o relator, a negativa e inércia da apresentação dos documentos, após solicitação extrajudicial válida, é ato ilegal, conforme os termos do artigo 358, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC).

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 16/10/2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Tatuagem em menor é crime?

Se feita sem o consentimento dos pais, sim, é crime: lesão corporal de natureza grave, porque resulta em deformidade permanente. Se feita com o consentimento dos pais, não é crime, de acordo com os princípios do consentimento válido e da adequação social.
 
 
Se feita sem o consentimento dos pais, sim, é crime: lesão corporal de natureza grave, porque resulta em deformidade permanente (art. 129, §1º, III, do CP), conforme entendimento fixado pela 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP. Se feita com o consentimento dos pais, não, não é crime. Entra aqui não só o consentimento válido como o princípio da adequação social (é a mesma coisa, guardadas as devidas proporções, que a perfuração da orelha da criança).
Há uma lei estadual paulista que proíbe a tatuagem em menor, mesmo com o consentimento dos pais. Essa lei não tem nenhum reflexo no âmbito criminal (que é regido pelo ordenamento jurídico nacional, não estadual). Havendo consentimento dos pais, não há que se falar em crime.
Por que existe a proibição de fazer tatuagem em menor sem o consentimento dos pais? É para protegê-lo. A tatuagem pode ser um ato impulsivo, que é comum na adolescência. Depois pode haver arrependimento e até mesmo prejuízo (tendo em vista o preconceito que ainda existe em relação à tatuagem – veja a opinião de Mara Pusch na Folha de S. Paulo de 21.08.12, p. C8). Se a tatuagem é feita com a anuência dos pais, esses efeitos não existirão ou podem ter reflexos menores ou insignificantes.
No caso julgado pelo TJSP, a condenação se deu em primeira instância, onde se reconheceu a lesão corporal grave de dois indivíduos contra uma menor, então namorada de um deles. De acordo com o que se apurou, o namorado induziu a jovem a fazer a tatuagem movido por ciúmes, convencendo-a de que terminaria o relacionamento se ela não aceitasse a tatuagem. O procedimento foi realizado na residência do segundo condenado: um servente de pedreiro, que se dedicava a fazer tatuagem nas horas vagas. Não houve autorização de representantes ou responsáveis da menor.
O posicionamento da primeira instância foi confirmado unanimemente pelo Tribunal paulista. De acordo com o desembargador Sergio Coelho, “a tatuagem constitui forma de lesão corporal, de natureza deformante e permanente. Menores são incapazes juridicamente para consentir no próprio lesionamento, donde absolutamente ineficaz sua manifestação, à revelia dos pais” (Fonte: TJ/SP).
É de se ressaltar que a idade da jovem quando dos fatos era de 16 anos. Poderíamos, na hipótese, levantar a questão do discernimento que um jovem dessa idade tem, atualmente, para avaliar as consequências da escolha para fazer uma tatuagem. Nos casos concretos, a polêmica pode ser levantada; porém, como regra geral, a capacidade do menor para praticar atos livremente acontece aos 18 anos. Os balizamentos legais, às vezes, são duros. Podemos sempre discutir sua razoabilidade, mas não existe nenhuma sociedade sem eles.