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sábado, 2 de novembro de 2013

O instituto da curatela, o que é e em que situações é necessário



Curatela. Palavra estranha... tem a ver com tutela? Ou é uma espécie de procuração? É interdição? A palavra é incomum, soa estranho e de alguma forma está muito próxima da tutela, da interdição e, para ficar mais complicado, também tem um parentesco com a procuração.
Confuso?

Vamos, então, saber do que se trata cada uma delas.

Resumidamente, a tutela é atribuída pelo juiz a um adulto para que este possa proteger e orientar um menor – criança ou adolescente – e administrar seus bens, quando por qualquer razão os pais não estão presentes, por motivo de morte, ausência por longo período ou perda do poder familiar.

A procuração, quase todo mundo sabe, é o ato no qual uma pessoa nomeia outra de sua confiança para fazer determinadas ações em seu nome.

Na maioria das vezes, as pessoas envolvidas – aquela que dá a procuração, chamada outorgante, e a que recebe, chamada procurador – estão em plena posse de suas faculdades mentais e, provavelmente, a procuração atende a uma necessidade prática.

E a interdição? É uma medida judicial que declara a incapacidade de pessoas com mais de 18 anos de exercer atos da vida civil. É o primeiro passo para ter a curatela decretada.

E então, chegamos à tão curiosa palavra: curatela. O que é?

É o instituto jurídico utilizado para dar poderes a uma pessoa – chamada curador – para que proteja, zele, oriente e administre bens de outra pessoa que não pode mais exercer os atos da vida civil. Quem decreta a curatela é o juiz e, ao fazê-lo, determina também quem será o curador. A curatela se aplica a adultos, pessoas maiores de 18 anos, portanto, com maioridade legal. O Código Civil indica como passíveis de curatela as pessoas sem capacidade para discernir, as que têm enfermidade mental – com estágio patológico da mente – ou deficiência mental, em razão de um déficit de inteligência congênito ou adquirido. A lei considera, ainda, os toxicômanos – dependentes de drogas – como relativamente incapazes e a curatela sendo necessária principalmente porque, não raro, há necessidade de internação para tratamento. Alcoólatras também podem ser curatelados, devido à possibilidade de agirem sobre psicose decorrente do álcool. Com a intenção de proteger a família, também são considerados passíveis de curatela os pródigos, ou seja, aqueles que não têm limites para gastar recursos materiais, que agem de maneira compulsiva; assim como os viciados em jogo de apostas, que colocam em risco o patrimônio pessoal e familiar.

Quase sempre a primeira preocupação de uma família com problemas dessa ordem tem relação com recursos e bens. Não é à toa. Na maioria dos casos, pessoas incapazes de gerir o próprio destino costumam não ter noção de valores monetários, não fazem ideia das consequências de seus atos e normalmente exigem tratamentos e cuidados médicos que necessitam justamente de dinheiro. Esse é um dos significados de “não ser capaz de exercer os atos da vida civil”.

Em alguns casos, como de jovens com deficiência intelectual, a curatela é uma realidade já prevista pelos pais e se concretiza quando este jovem atinge a maioridade, a partir do requerimento da curatela ao juiz. Ou pode ser requerida quando as situações já relacionadas ganham proporções incontroláveis, ou a partir de um acidente que criou uma limitação, enfim, quando a pessoa está impossibilitada de manifestar sua vontade ou não controla mais seus atos. O instituto da curatela pode ser permanente ou transitório, utilizado na medida da necessidade, uma vez que a pessoa pode voltar ao seu estado normal.

Assim, a curatela pode ser parcial. Por exemplo, uma pessoa que não pode administrar seus negócios apenas temporariamente, por problemas físicos, ou um longo tratamento hospitalar, mas está bem mentalmente, pode pedir a nomeação de um curador para tratar de toda a sua vida civil ou de parte dela. Um idoso que está acamado, mas que tem total lucidez, também pode requerer um curador.

Qualquer pessoa interessada na manutenção da dignidade e proteção de uma pessoa nessas condições pode requerer a curatela. Na maioria das vezes, antes da curatela se obtém a interdição. A curatela pode ser exercida, em primeiro lugar, pelo cônjuge ou companheiro; em seguida por aquele que já detinha a tutela; o pai, a mãe ou outros parentes. Os pais são curadores legítimos e podem também indicar o curador em testamento. Se os pais faltarem sem deixar expressa sua vontade em testamento, o juiz pode nomear um parente próximo ou, na falta deste, um terceiro de sua confiança.

O Ministério Público, por inúmeras razões, também pode lançar mão da curatela. Ao decretar a curatela, o juiz determina os limites da interdição, “segundo o estado ou desenvolvimento mental do interdito”.

O curador pode ser substituído quando não puder mais cumprir com as suas atribuições, por exemplo, se ficar doente ou sofrer um acidente, ou mesmo falecer. Mas destituir um curador não é assim tão fácil, mesmo quando entre os parentes há o coro dos descontentes. Embora legalmente se possa encaminhar reclamações ao juiz, dificilmente se consegue uma liminar de destituição.



Ivone Zeger
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A presunção de paternidade na união estável


Ao fazer referência expressa à presunção de filiação durante a constância do casamento, o legislador perdeu a oportunidade de garantir idêntica proteção aos filhos nascidos durante a constância de uma união estável.
O artigo 1.597, incisos I ao V, do Código Civil de 2002, previu 05 (cinco) hipóteses de presunção de paternidade dos filhos concebidos na constância do casamento. Este dispositivo é o que a doutrina chama de presunção pater is est. Para melhor entendimento, vale transcrever sua redação:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
O dispositivo em testilha, ante sua objetividade textual, não traz maiores questionamentos. De outro lado, peca por dizer menos do que deveria, ao menos sob o viés constitucional de proteção à família e à criança.
Quer-se dizer que, ao fazer referência expressa à presunção de filiação durante a constância do casamento, o legislador perdeu a oportunidade de garantir idêntica proteção aos filhos nascidos durante a constância de uma união estável. Desta forma, há aparente tratamento desigual em situações iguais. Diz-se aparente porque, numa interpretação do dispositivo em comento, sob filtragem constitucional, a presunção deve incidir em ambas as situações, sob pena de cometer-se odiosa injustiça.

Basta a análise do seguinte exemplo para se enxergar a necessidade da aplicação do artigo 1.597 do Código Civil às uniões estáveis. Imagine-se que uma mulher viveu em união estável - comprovada por escritura pública lavrada no tabelionato de notas -  por dez anos com seu companheiro, o qual faleceu e deixou três filhos em comum. Dos três filhos, dois foram reconhecidos e registrados sob a paternidade do finado. O mais novo, porém, nascido um dia antes do falecimento do pai, não teve sua paternidade registrada. Se esta mulher fosse casada com o falecido, quanto a paternidade não haveria maiores problemas, pois, por influxo de expressa disposição legal, o fato se adequaria à hipótese normativa abstratamente prevista. Todavia, como no exemplo dado a mulher não mantinha vínculo matrimonial com o falecido, poderia ser sustentado que diante da falta de previsão legal seria necessário o ajuizamento de ação de investigação de paternidade post mortem. Entretanto, como adiante se verá, esta não é a solução adequada.
A Constituição da República de 1988 conferiu tratamento ímpar à família e, expressamente, elegeu a união estável à condição de entidade familiar, senão, veja-se:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
A leitura do dispositivo acima conduz o intérprete à conclusão de que o casamento e a união estável devem receber idêntica proteção estatal. E a conclusão não poderia ser distinta, uma vez que ambos são espécies do gênero instituição familiar. Tamanha é a importância da união estável que o legislador constituinte, prevendo a possibilidade do intérprete fazer distinções de tratamentos irrazoáveis entre o casamento e a união estável, previu explicitamente em relação a esta a proteção do Estado.
Veja que a previsão contida no § 3º em relação à proteção estatal da união estável não se repetiu em relação ao casamento, embora pareça óbvio que o casamento indiscutivelmente receberá a proteção do Estado. Pensamos que ao legislador constituinte pareceu que a obviedade da proteção conferida ao casamento poderia não se repetir quando do trato da união estável. Por isso, com o fim de não deixar margens às dúvidas, foi expresso e claro.
A proteção à família insculpida no texto constitucional vai ao encontro da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Observe-se que somente haverá dignidade se todas as formas de arranjos familiares forem reconhecidos e protegidos pelo Estado. O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, abre o conceito de família(s).
Sem a pretensão de adentrar nos diversos arranjos familiares (socioafetivo, homoafetivo, monoparental, anaparental, pluriparental etc), que não são o enfoque desta breve análise, vamos nos delimitar à união estável formada entre homem e mulher. A união estável é definida pelo artigo 1.723 do Código Civil nos seguintes moldes:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Deflagra-se da norma acima que a união estável, sob o prisma sociológico, identifica-se com o casamento. Ora, se o cotidiano da nossa sociedade demonstra que no plano fático a união se equipara ao casamento, posto que é configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, não cabe ao legislador, muito menos ao exegeta, negar esta realidade.
Não cabe ao intérprete negar aquilo que o legislador constituinte expressamente determinou, ou seja, a proteção tanto do casamento quanto da união estável.
Importante considerar que não é a formalidade do casamento que faz presumir filiação, mas sim a situação fática, a coabitação do casal. Tanto é verdade que a presunção de filiação permanece intacta ainda que o casamento venha a ser declarado nulo ou se trate de casamento putativo.
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
E se o legislador optou por dar maior proteção à situação fática no casamento, mesmo raciocínio deve ser empregado em relação à união estável. É por isso que onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito. Portanto, se há a presunção legal da paternidade no casamento, não há motivos para que esta regra não incida sobre a união estável.
Ao discorrer sobre a possibilidade de presunção legal de paternidade na união estável, leciona Paulo Luiz Netto Lôbo que:
Ainda que o artigo sob comento refira-se à "constância do casamento", a presunção de filiação, paternidade e maternidade aplica-se integralmente à união estável. A redação originária do projeto do Código Civil de 2002 reproduziu a equivalente do Código de 1916, que apenas contemplava a família constituída pelo casamento e a filiação legítima, não tendo sido feita a atualização pelo Congresso Nacional ao disposto no art. 226 da Constituição Federal (AZEVEDO, Álvaro Villaça (coordenador). Código Civil Comentado: Direito de Família, Relações de Parentesco, Direito Patrimonial – artigos 1.591 a 1.693. 15 v. São Paulo: Atlas, 2003. p.59).
A análise de Paulo Lôbo sobre a origem do texto legal denota que o legislador infraconstitucional, ainda apegado aos vetustos valores da nossa sociedade passada, não trouxe ao Código Civil a roupagem constitucional merecida. Aliás, diga-se de passagem, há inúmeros dispositivos espraiados no dito código que certamente serão alterados por projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional, com o escopo de adequa-lo à nossa realidade.
É preciso fazer uma interpretação da lei conforme a Constituição da República.
Mais grave ainda do que deixar a união estável desguarnecida, a interpretação que nega a presunção legal da paternidade à união estável deixa desprotegida a criança fruto deste relacionamento.
Não há a menor dúvida de que a ratio do artigo 1.597 do Código Civil não é a proteção ao casamento, mas sim à prole. O objetivo é garantir que esta criança não fique sem um pai reconhecido e que este reconhecimento de paternidade seja feito sem burocracia e questionamentos. A paternidade é relativamente presumida. Relativa porque admite prova em contrário, que deverá ser produzida por quem alegar estado contrário à presunção legal.
Perceba-se que o foco legal é justamente evitar que a criança, que foi concebida durante o período de convivência entre seus genitores, seja submetida a um longo e tormentoso processo judicial de investigação de paternidade.
Do mesmo modo que a união estável, a proteção à criança tem status constitucional e cabe à família, à sociedade e ao Estado efetivar esta proteção com prioridade absoluta.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Atento a questão que aqui discutimos, o Superior Tribunal de Justiça publicou recentemente acórdão enfrentando esta matéria. No caso concreto, reconheceu a presunção da paternidade de prole concebida na constância de união estável.
DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PRESUNÇÃO DE CONCEPÇÃO DE FILHOS. A presunção de concepção dos filhos na constância do casamento prevista no art. 1.597, II, do CC se estende à união estável. Para a identificação da união estável como entidade familiar, exige-se a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação dos filhos em comum. O art. 1.597, II, do CC dispõe que os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal presumem-se concebidos na constância do casamento. Assim, admitida pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 1.723 do CC), inclusive pela CF (art. 226, § 3º), a união estável e reconhecendo-se nela a existência de entidade familiar, aplicam-se as disposições contidas no art. 1.597, II, do CC ao regime de união estável. Precedentes citados do STF: ADPF 132-RJ, DJe 14/10/2011; do STJ: REsp 1.263.015-RN, DJe 26/6/2012, e REsp 646.259-RS, DJe 24/8/2010. REsp 1.194.059-SP, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 6/11/2012.
Por fim, é importante lembrar que para que haja a presunção da paternidade e o registro do nascimento independentemente do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, imprescindível que haja prova pré-constituída da união estável, sob pena do ordenamento deixar margens ao cometimento de fraudes.