Abelardo Flôres -Desembargador do TRT da 3ª Região aposentado. Advogado em Belo Horizonte (MG).
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Os alvarás judiciais não devem ser expedidos diretamente em nome da
parte, mas em nome de seus procuradores, único modo de se garantir o
recebimento, oportuno e seguro, da merecida remuneração advocatícia.
Passada a procuração, firmado o contrato de honorários, recolhidos os
dados, a ação foi proposta e, depois de idas e vindas judiciais, por
quase uma década, o processo alcançou a liquidação, cujo valor foi
liberado, diretamente à constituinte que, recebendo-o, até hoje,
passados alguns anos, não cumpriu a obrigação assumida com os advogados -
seus procuradores nos autos - ou seja, não lhes pagou um centavo,
sequer...
Debalde reclamaram junto ao douto juízo, afirmando que a liberação do
alvará para a autora importava em quebra do estabelecido pelo art. 36,
do Código de Processo Civil, que assegura a representação judicial, do
litigante, pelo advogado, de tal maneira que, como não lhe era lícito
praticar atos conducentes da ação, muito menos lhe seria dado receber,
em pessoa, o produto do trabalho desenvolvido pelos advogados, no correr
de tantos anos, no processo judicial.
Diante destas circunstâncias, providenciaram eles uma representação,
junto à ilustrada Corregedoria da Justiça Estadual, obtendo, como
resposta, absolutamente, inverossímil e inacreditável, com as vênias
costumeiras, a informação final de que a ilustre Juíza, dirigente do
processo, informara que mandou tirar o alvará, em nome da autora, por
recomendação de sua representação nos autos.
Ora, esta é uma atitude judicial inaceitável, renovando as vênias,
porque o fato, atribuído aos procuradores da autora, é por eles,
peremptoriamente, negado, e não demonstrado na informação judicial e,
mais que isso, ainda que houvesse tão abstrusa “solicitação”, ela não
encontraria apoio na lei, posto que o referido art. 36/CPC estabelece
que a atuação do litigante se dê pela representação profissional
especializada, a não ser com a hipótese, não aventada, inspirada no art.
22, da Lei 8.906/94 que, na realidade, visa PROTEGER o profissional.
A vigorar tal entendimento, o de que o pagamento dos valores apurados
no processo judicial ou entrega respectiva, do “quantum” liquidado, deve
ou pode ocorrer pessoalmente ao litigante, pela via do art. 708/CPC,
cria-se uma distorção exegética insustentável, quebrando a harmonia das
regras, carecendo de melhor apreciação, posto que ele regule o pagamento ao credor cujo parágrafo 1º., quando se refere a tal acerto, dizendo que será feito pela entrega do dinheiro não exclui a representação advocatícia, nem estabelece que seja diretamente à parte litigante.
Os advogados, assim, estarão profundamente prejudicados na sua
laboriosa e honrada atividade, agravando, de maneira quase insuportável,
os transtornos que eles já enfrentam, na rotina diária dos escritórios e
balcões da Justiça, como, ainda, e principalmente, nas suas relações
com os clientes, porque perdem a garantia legal de que, havendo contrato
de honorários, podem proceder à compensação pecuniária no saldo apurado
pelo processo, inclusive, de outros gastos.
Com efeito, pelo art. 664, do Código Civil, “O mandatário tem o
direito de reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, quanto
baste para pagamento de tudo que lhe for devido em conseqüência do
mandato”, portanto, muito mais que os honorários, o que ficou
totalmente inviabilizado pelo procedimento em questão, quando há crédito
cobrável diretamente na importância levantada no processo, a que deram
assistência e em que o adquiriram.
Sobre este inciso legal, consta o Enunciado 184 do CEJ: “Da
interpretação conjunta destes dispositivos, extrai-se que o mandatário
tem o direito de reter, do objeto da operação que lhe foi cometida, tudo
o que lhe for devido em virtude do mandato, incluindo-se a remuneração
ajustada e o reembolso de despesas”, valorizando os argumentos até aqui expendidos.
No entanto, o respeitável entendimento objurgado prejudica,
irremediavelmente, se não lesa, as garantias legais oferecidas, com
legitimidade, aos profissionais da área, correspondendo a um grave
prejuízo ao patrimônio de quantos vivam da atividade advocatícia porque,
estabelecido, na lei, o direito de reter, ou seja, na dependência de que o produto da ação esteja nas mãos do procurador.
A perdurar esta situação, compromete-se, o futuro e a credibilidade de
quanto propaga a própria ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, quando defende a
legislação que, a duras penas, conseguiu implantar para um harmonioso
relacionamento entre os que, prestando serviço público, a enobrecem, com
sua efetiva participação no cenário jurídico-social da coletividade.
É caso, portanto, de interveniência da mais alta direção da Autarquia,
no sentido de restabelecer a vigência do direito por ela proclamado, de
que é privativa de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário,
postulação que compreende, é claro - como no direito de acesso à
Justiça, assegurado pelo art. 5º., XXXV, da Constituição Republicana, a
correspondente obrigação dos órgãos que a compõem, de se manifestar, em
tempo razoável, ou não haveria proveito no reconhecimento do direito
mencionado - O DE RECOLHER O PRODUTO DA POSTULAÇÃO, já pelo art. 22, “caput”.
Ao examinar a Constituição Federal, no seu art. 5º. XXXV, que assegura a
todo cidadão o acesso à Justiça, os conceituados autores, NELSON NERY
JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, à fl. 131, de sua CONSTITUIÇÃO FEDERAL
COMENTADA, Editora Revista dos Tribunais, do ano de 2006, proferem
preciosa lição, que merece relida:
“. XXXV: 21. Direito de ação. Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir pretensão em juízo e também poder dela defender-se. O princípio constitucional do direito de ação garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada (Nery, Princípios, n 18). Por tutela adequada entende-se a que é provida da efetividade e eficácia que dela se espera. Caso o jurisdicionado necessite de atuação pronta do Poder Judiciário, como, por exemplo, a concessão de medida liminar, pelo princípio constitucional do direito de ação tem ele direito de obter essa liminar. Restrições impostas pela lei à concessão de liminares não podem obstar a incidência do preceito constitucional aqui examinado ... A facilitação do acesso do necessitado à justiça, com a assistência jurídica integral (5º LXXIV), é manifestação do princípio do direito de ação. Todo expediente destinado a impedir ou dificultar sobremodo a ação ou a defesa no processo civil, como por exemplo o elevado valor das custas judiciais, constitui ofensa ao princípio constitucional do direito de ação.”
Então, é claro, que o direito de postulação, que se garante, constitucionalmente, no art. 5º., XIII, ao assegurar como livre o exercício de qualquer trabalho,
tem de encontrar correspondência no entendimento judicial de que o
resultado dela, do pedido processado, tem, obrigatoriamente, de ser
entregue à disposição do advogado, pois não é lógico que se lhe assegure
o direito à prestação do serviço sem garantia de receber a retribuição
equivalente.
Ele é o agente da própria ação, de tal modo que, como consta do art. 708/CPC, relativamente ao encerramento da demanda, o pagamento ao credor far-se-á: I – pela entrega do dinheiro,
certamente, e por coerência, ao procurador da parte que a ele haja
feito jus, segundo a visão judicial, porque esta é a representação que
funciona, desde o art. 36.
Se o levantamento do resultado do trabalho do procurador pode ser
efetuado pelo litigante, que ele representa, como aconteceu,
hipoteticamente, no caso presente, em que os representantes nada
receberam até esta data, o advogado perdeu suas garantias profissionais,
com raízes no art. 5º., XIII, pelo qual, desde seu “caput”, se
estabeleceu que:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
O entendimento que está sendo combatido atenta, frontalmente, contra
esta norma constitucional, de clareza solar, se se perceber que a
liberdade de exercício profissional está frustrada ou obstaculizada pelo
impedimento de percepção da verba honorária, ou porque esta dependerá,
como no caso, de profunda e incerta discussão com o constituinte, noutra
demanda de longa duração.
O advogado terá que, para receber a retribuição avençada, pelo trabalho
prestado, de acionar o cliente que não o pagou – sim o seu cliente - e
haverá de cuidar, de precaver-se quanto à sua subsistência, bem como à
de seus dependentes, porque estará sujeito ao risco de não dispor de
alimentos para todos, em face dos riscos conhecidos que circundam tais
diligências.
Há, portanto, e com vênias devidas ao Poder Judiciário, na sua
inteireza, uma indesejável violação da garantia constitucional, contida
no direito à segurança e à propriedade, veste o desvio
funcional, com correspondente abuso de direito da ilustrada autoridade
condutora do processo, ao determinar, conforme consta da apuração da
douta Corregedoria Geral da Justiça do Estado, o levantamento, a
disponibilidade do valor liquidado na ação, pela própria parte, sem o
acerto indispensável dos honorários.
Se a ação movida pelos advogados, no exercício regular do direito
constitucional, garantido pela Carta Federal, no seu art. 5º. XIII puder
terminar com a exclusão dos procuradores no ato final, atingido pelo
penoso e exaustivo processo judicial, de quase um decênio, com o
pagamento direto ao constituinte, vigendo seu mandato, então, os
profissionais estarão deixados em desamparo, injustificadamente, com
gravíssima repercussão de descrédito da categoria, para as causas em
andamento, porque violada a segurança jurídica da relação e a propriedade do trabalhador.
Nem se argumente, desprevenidamente, como pode acontecer, com a
disposição do art. 22, no seu § 4º, da Lei 8.906/94, porque não é o caso
presente, ou seja, não houve juntada de contrato, nem pedido de
expedição de precatório, constituindo-se, portanto, em hipótese diversa a
ser analisada, se e quando ocorrer, aliás, como opção do advogado que,
não exercida, não desfigura a representação pelo art. 36/CPC.
Advirta-se, ademais, embora, aparentemente, não seja necessário, que o
inciso legal examinado, inserido no Estatuto da advocacia, tem por objetivo proteger o trabalho do profissional,
que se empenha em nome do cliente e merecer, portanto, a tutela legal
que lhe é dada, porque, numa leitura superficial, pode parecer, a
incautos, que se estivesse abrindo uma oportunidade para o litigante
receber, pessoal e diretamente, o produto do esforço alheio.
Isto é, naquela hipótese, que não é a do caso presente, se o
profissional quiser, a seu critério e escolha, pode, ele, procurador,
resguardado o seu direito preferencial de destacar do resultado da ação
os seus honorários, na forma do que contratou, pode providenciar,
processualmente, e autorizar que, garantido o pagamento, da sua verba
honorária, a parte do cliente lhe seja passada, em pessoa.
Por isso, que cabe à ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, por sua honrosa
Presidência, a teor do disposto no art. 44, da Lei 8.906/94, nos seus
incisos “I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito ... e II - a defesa ... dos advogados”, sugere-se adotar
as providências judiciais e extrajudiciais cabíveis para prevenir ou
restaurar o império do Estatuto, em sua plenitude, inclusive mediante
representação administrativa, na forma da legislação em vigor,
no legítimo interesse da laboriosa classe dos advogados que, inscritos,
se encontram sob sua tutela e proteção legais.
Defende-se, na forma do art. 15, do Regulamento Geral do Estatuto da
Advocacia e da OAB, sejam tomadas providências para o restabelecimento
do império das regras do Estatuto, da Lei 8.906/94 e das disposições
legais, atinentes ao contrato de mandato previstas no Código Civil, de
forma a se assegurar, aos profissionais que laboram o recebimento do
numerário a que fazem jus, de natureza jurídica, consabidamente,
alimentar.
Não raro isto acontece após anos de árdua batalha judicial, sendo,
portanto, justo, impedir que os alvarás judiciais sejam expedidos
diretamente em nome da parte, mas, sim, como de direito, em nome de seus
procuradores, único modo de se garantir o recebimento, oportuno e
seguro, da merecida remuneração advocatícia, a não ser que ocorra a
exceção mencionada, do art. 22/§ 4º. da Lei 8.906/94.
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