Com o advento da nova ordem constitucional instituída pela Constituição
Federal de 1988, passou-se a proteger e elevar ao patamar de família a
união estável. Foi um passo largo, para permitir a proteção da relação
que outrora era vista como espúria, onde a proteção patrimonial era
garantida pelo instituto da sociedade de fato.
O instituto da união estável foi elevado ao patamar de entidade
familiar, quando passou a ser expressamente regulamentado pelo art. 226 §
3º[1] da Constituição Federal, o qual lhe conferiu ampla proteção Estatal.
Portanto, ficou a cargo do legislador infraconstitucional a tarefa de
estabelecer as regras para reconhecimento e sua conversão em casamento,
para cumprimento do assegurado pelo comando constitucional, cuja
natureza é de eficácia programática.
Antes da entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro, onde
encontra-se assentada a matéria, vigiam as leis 8.971/94 e 9.278/96, que
tratavam dos direito patrimoniais e sucessórios dos companheiros.
A lei 8.971/94 regulamentou a questão dos alimentos devido à
companheira ou companheiro, como também a questão sucessória dos
conviventes. Esta foi a primeira proteção ao companheiro supérstite, que
garantiu seu direito de participar da sucessão aberta, seja como
usufrutuário, seja como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem da
vocação hereditária.
Percebe-se, portanto, que em 1994 o cônjuge supérstite possuía esta o status de herdeiro necessário.
Pela Lei 9.278/96 foi estabelecida a igualdade de direitos e deveres
entre os conviventes, concedendo ao companheiro supérstite o direito
real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, em razão do vínculo afetivo construído naquele lar pelo casal,
que outrora o tinha habitado.
No entanto, as leis supracitadas não previam a real igualdade que
deveria haver em comparação ao cônjuge sobrevivente, pois a primeira
regulamentou os alimentos devidos ao cônjuge e lhe concedeu o direito de
participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como
herdeiro, ocupando o terceiro lugar na ordem vocacional hereditária.
Quanto a segunda lei supracitada, por ela foi estabelecida a igualdade
de direitos e deveres entre os companheiros e, também o direito real de
habitação do imóvel destinado a moradia. Destaca-se, que estes são os
direitos mínimos assegurados ao cônjuge sobrevivo
Mas, em que pese, a mínima garantia dos direitos, a lei 8.971/94
aplicava o que deveria ser hoje a norma aplicável na sucessão da
companheira, visto que em seu art. 2º, III elevava-o, na sucessão do de
cujus, a patamar privilegiado excluindo sua concorrência com colaterais.
Percebe-se, então, um retrocesso social, acerca de tal tema, quando
realizada análise acerca do art. 1790, que trata da sucessão dos
companheiros, com os artigos 1829, 1838 e 1945 do Código Civil, o que
constitui malferimento do princípio da proibição do retrocesso social,
tema explorado por Ingo Wolfgang Sarlet, que em suma visa garantir as
pessoas em tal condição a efetividade da segurança jurídica.
Em que pese as disparidades apresentadas pela legislação
infraconstitucional há uma crescente tendência de que a leitura de seus
dispositivos seja constitucional. Aliás, é uma tendência do direito
civil, que passa por um movimento de constitucionalização.
Acerca do assunto, dedicou-se o professor Flavio Tartuce, em seu artigo “Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro[2]”,
tendo realizado a proposta de constitucionalização do direito de
família, como por exemplo, estabelecer o princípio da igualdade entre
cônjuge e companheiro, nos termos do art. 226, § 5º da Constituição
Federal.
É oportuno, também, criticar a topografia da sucessão da companheira,
no Código Civil. Em uma sanha de se adequar o referido diploma ao texto
constitucional, sem qualquer critério o legislador inseriu as
disposições concernentes a sucessão do companheiro nas disposições
gerais sobre a sucessão, fato que já indica uma discriminação, pois
segregou-se companheiro de cônjuge.
Assim, com o presente trabalho é possível demonstrar a
inconstitucionalidade do art. 1790, III, do Código Civil, pois como
legislação infraconstitucional, não se encontra verticalmente compatível
com o estatuído na Constituição Federal, em seu art. 226 §3º, que
reconhece a companheira o mesmo status que o cônjuge supérstite, pois
trata de forma desigual a sucessão da companheira ao lhe conferir
somente um terço da herança, quando concorrer com outros parentes,
herdeiros colaterais.
É um caso de flagrante desigualdade e malferimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e equidade.
Enquanto a alteração legislativa não chega, pode-se perceber, após a
análise de alguns julgados selecionados, que para extirpar a
desigualdade apontada, cabe ao julgador invocar a hermenêutica para
igualar a companheira ao cônjuge sobrevivente, quando o jurisdicionado
suscitar, incidentalmente, a arguição de inconstitucionalidade a seu
favor.
Recentemente, em 14 de janeiro de 2010, foi sancionada a lei 12.195,
que alterou o art. 990 do Código de Processo Civil, para permitir, e
assim igualar a companheira (o) sobrevivente o mesmo tratamento legal
conferido ao cônjuge supérstite, quanto a nomeação do inventariante.
Ou seja, inovações legislativas ocorrem a passos lentos, mas caminham
para trazer a efetiva igualdade, no que se refere ao direito material e
processual, ao companheiro e cônjuge.
As alterações são salutares para que haja a adequação e reparos nas
normas existentes. Mas, enquanto não há uma declaração de
inconstitucionalidade, em' abstrato, contra o artigo 1790, do Código
Civil, o jurisdicionado poderá via controle difuso suscitar a
inconstitucionalidade, conforme já exposto, para que lhe seja
resguardado o direito de receber em sucessão os mesmos direitos do
cônjuge.
Por outro giro, é oportuno destacar a falta de interesse legislativo
sobre o tema, haja vista que encontram-se arquivadas, de acordo com o
regimento interno da Cãmara Legislativa, duas proposições legislativas
que versavam sobre o tema, o Projeto de Lei nº 6.960/2002 e o nº
4944/2005. Ambos objetivavam a alteração do Código Civil, para fazer
constar a proteção infraconstitucional do companheiro que passaria a não
concorrer com herdeiros colaterais na sucessão do autor da herança, o
extinto companheiro, além de elevá-lo a condição de herdeiro necessário,
nos termos da diireito proposição de 2005.
Como o tema não é pacífico, veja-se a recente reclamação constitucional
proposta, perante o Supremo Tribunal Federal, que tem o Ministro Gilmar
como seu relator[3] e objetiva questionar a decisão da
justiça do Estado de São Paulo que teria declarado, de forma indevida, a
inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, reitera-se
parágrafos anteriores que afirmam ser incumbência do magistrado,
hermeneuta, a solução para o caso concreto apresentado, por isso,
também, surgem como forma de norteá-los, enunciados advindos de ciclos
de estudos do direto civil, sendo destacado as reuniões do Conselho da
Justiça Federal (CJF), do Superior Tribunal de Justiça, responsáveis
pelas enunciados e compilações das Jornadas de Direito Civil, como
também as reuniões dos Juízes das Varas de Famílias e Sucessões.
Desta forma, na sucessão o companheiro sofre flagrantes prejuízos,
primeiro porque não é herdeiro necessário, segundo porque quando da
concorrência com herdeiros colaterais do extinto recebe menos, quando
situação sob mesma aparência, com o cônjuge a divisão é privilegiada.
Clique nas imagens para vê-las maiores:
Bibliografia:
LASSALE, Ferdinand. Fonte Digital: Que é uma Constituição?. Edições e
Publicações Brasil, São Paulo, 1933. Tradução: Walter Stönner.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2. ed. , Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
ANDRADE, Rita de Cássia. União Estável e a Sucessão do Companheiro
Sobrevivente à Luz do Novo Código Civil. Acesso em: < > , às
___
SIMÃO, José Fernando. Sucessão do companheiro: decisões surpreendentes!
Parte 1 Casamento X União estável. Acesso em
JUNIOR, Clito Fornaciari. Sucessão do companheiro falecido. Acesso em
TARTUCE, Flavio. NOVOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO.
Acesso em
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 70029390374 – TRIBUNAL PLENO
OBJETO: ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO RS
AGRAVO DE INSTRUMENTO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70007532799 SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA, TJ-RS
AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 633.472-4/9-00, da Comarca de SÃO PAULO
Notas
[1] “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento”
[2] www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_princfam.doc
[3] Disponível no site: , acesso em 18 out. 2010, ás 09:38.
_______________________________________________________________________________
Eloá dos Santos Prado
Bacharela em Direito. Especialista em Direito de Família e em
Direito Civil, Empresarial e Processo Civil. Advogada (OAB/SP 299.865),
coordenadora jurídica e sócia do Ferreira Cruz Advogados Associados, com
atuação tanto em consultoria no campo preventivo das relações
obrigacionais (estruturando negócios, contratos, operações dos mais
diversos tipos), como no contencioso judicial e administrativo de
clientes pessoas física e jurídica, em diferentes pontos do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário