Admitir a indenização por abandono afetivo contraria toda a evolução do
conceito de família. Não entendo como evolução da sociedade ou da
jurisprudência a recente decisão do STJ. Houve apenas um julgado isolado
e não unânime de uma das turmas do tribunal.
Em sessão do dia 04/04/2012, no julgamento do Resp. 1.159.242/SP, a
Terceira Turma do STJ, por maioria, considerou ser possível exigir
indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais.
A princípio, vale destacar que o STJ é composto por 33 Ministros e que
o entendimento acima explanado foi de apenas uma das Turmas do STJ, que
é composta por cinco Ministros. Dentre esses cinco, um deles divergiu
da maioria, ou seja, pode-se afirmar apenas que quatro Ministros do
Superior Tribunal entenderam ser cabível a indenização por abandono
afetivo.
Impende recordar que em 2005, a Quarta Turma do STJ, no Resp.
75.411/MG, também por maioria, concluiu contrariamente à recente
decisão, entendendo não ser passível de indenização o abandono afetivo. A
questão chegou ao STF por meio do RE 567.164/MG, e em 2009 o recurso
teve seu seguimento negado por decisão monocrática. A Ministra Relatora
Ellen Gracie, citando o parecer da Procuradoria Geral da República,
asseverou que segundo o Código Civil e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, eventual lesão à Constituição Federal, se existente,
“ocorreria de forma reflexa e demandaria a reavaliação do contexto
fático, o que, também é incompatível com a via eleita”.
No artigo “A impossibilidade de responsabilização civil dos pais por
abandono afetivo” defendo não ser possível condenar um pai a indenizar
seu filho por falta de afeto por ser essa uma área na qual o instituto
da responsabilidade civil não pode adentrar devido às peculiaridades que
regem o direito de família (DINIZ, Danielle Alheiros. A impossibilidade de responsabilização civil dos pais por abandono afetivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2184, 24 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12987>. Acesso em: 15 maio 2012).
Ali, analisei e concluí que, no caso do abandono do afetivo não estavam
presentes os elementos da responsabilidade civil nas relações de
família, quais sejam - conduta, dano, nexo de causalidade e culpa.
Admitir a indenização por abandono afetivo contraria toda a evolução do
conceito de família. Hoje a família é constituída a partir do afeto que
há entre os seus membros, tenham eles vínculo biológico ou não. Nesse
sentido dispõe a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) no inciso II e no
parágrafo único do seu artigo 5° que família é a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou vontade expressa, seja qual for a orientação
sexual de seus membros.
No mesmo sentido permanece o meu posicionamento. Não entendo como
evolução da sociedade ou da jurisprudência o recente julgado do STJ.
Houve apenas um julgado isolado e não unânime de uma das Turmas do
Superior Tribunal.
Cumpre ainda ressaltar que tanto o STJ como o STF desde suas últimas
posições sobre o assunto, respectivamente em 2005 e 2009, modificaram
sua composição e os ministros atuais podem ter entendimento diverso
daqueles que compunham o Superior Tribunal e o Supremo Tribunal naqueles
anos.
Feitas essas primeiras considerações, passemos a analisar a tão
comentada decisão. A Ministra Relatora Nancy Andrighi explanou que “amar
é faculdade, cuidar é dever”, asseverando que não estava em discussão o
amor, mas a imposição legal de cuidar que é um dever jurídico. Nesse
sentido afirmou que o amor não estaria no campo legal, e sim no
metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso. Já “o cuidado,
distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do
amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento,
que exsurge da avaliação de ações concretas: presença, contatos, mesmo
que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações
entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem-, entre
outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador,
pelas partes”.
Com todo respeito à relatora, não vislumbro como separar o amor do
dever de cuidado. Como um pai que não tem qualquer afeto por uma filha
irá dela cuidar?
Infere-se do voto da ministra que ela tentou objetivar o dever de
cuidado, exemplificando, inclusive, ações concretas como: contatos
presenciais ou não, ações voluntárias em favor do filho e comparação com
o tratamento dispensado aos outros filhos.
Ora, não há como uma pessoa que não possui empatia por outra manter,
voluntariamente, contatos com ela ou tratá-la igualmente às pessoas
pelas quais sente amor.
Ademais, impende destacar que há casos em que o contato entre pai e
filho traz muito mais danos do que a ausência. De que adianta um pai
ligar ou encontrar seu filho todos os dias e ser um pai, por exemplo,
seco ou grosseiro? Para alguns, talvez, seja suficiente o fato de o pai
voluntariamente procurar o seu filho, mas para outros, talvez, seja
melhor que ele nem o procure. Pela decisão do STJ entende-se que
bastaria o fato de o pai ter procurado o filho, independente da
qualidade desse contato. Todavia, não é isso que os filhos abandonados
afetivamente queriam ter tido de seus pais.
Conclui-se então que o dever de cuidado tem ligação direta com o amor, com o afeto, não podendo ser ele objetivado.
A verdade é que sem afeto não há cuidado.
Danielle Alheiros Diniz
Servidora
Pública Estadual, Especialista em Direito Privado (civil e empresarial)
pela Esmape em convênio com a Faculdade Maurício de Nassau